Written by 11:35 Cultura, Entrevista, Exposição, Mostra e Festival Views: 17

Julia Baker ressignifica o subúrbio carioca na arte

Curadora da exposição O Meu Lugar que destaca novos olhares sobre pertencimento e diversidade na arte, fala mais da mostra em parceria com Rafael Amorim.

Foto da curadora e entrevistada do dia: Julia Baker.

Julia Baker trabalha com pesquisa, produção e curadoria.

Além disso, é doutoranda no programa de Artes da Cena na UNICAMP, mestre em História, Política e Bens Culturais (CPDOC/FGV); possui especialização em História e Arquitetura da Arte no Brasil (PUC/RJ); graduada em Ciências Sociais (UERJ) e Produção Cultural (UFF).

Em 2023, fez a curadoria das exposições Mixagens Urbanas e Entres Montes Brancos e Espelhos D’Água.

No ano de 2021, fez a curadoria da exposição Imersões Digitais, realizada através de recursos da Lei Aldir Blanc/Rio de Janeiro.

Entre 2013 e 2018, integrou a equipe curatorial do Museu de Arte do Rio (MAR), atuando na pesquisa e curadoria de diversas exposições, entre elas Dja Guata Porã (2017), Linguagens do Corpo (2016) e O Rio de Samba (2018).

Entre 2019 e 2021, atuou como produtora na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

Foi assistente curatorial da exposição À Nordeste no Sesc 24 de Maio (SP) em 2019, e fez a pesquisa iconográfica para o livro de 50 anos do Balé da Cidade de São Paulo (2018/2020).

Agora ela atua na curadoria, junto a Rafael Amorim, da exposição O Meu Lugar.

E nessa entrevista exclusiva, ela compartilhou detalhes sobre essa exposição em São Gonçalo.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-la no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Qual foi a inspiração inicial para curar uma exposição que ressignifica o subúrbio fluminense? Como surgiu a ideia de O Meu Lugar?

Julia Baker: A ideia da exposição partiu de uma conversa entre mim e Rafael Amorim.

Estávamos pensando em possibilidades de projetos de exposição para o edital Sesc Pulsar e iniciamos uma troca de mensagens sobre o que poderíamos propor.

Rafael é morador do subúrbio e, como artista e pesquisador, já vinha pensando esse espaço territorial a partir de um olhar artístico.

Conversando sobre sua pesquisa e as possibilidades de ampliação da mesma, nos juntamos para criar a exposição O Meu Lugar.

Victor Hugo Cavalcante: Como foi o processo de seleção dos artistas que compõem a exposição? O que mais chamou sua atenção nas obras apresentadas?

O processo foi feito a partir da identificação de obras que dialogavam com a proposta de repensar o espaço do subúrbio e seus elementos de uma maneira não caricatural.

Além de desmistificar as representações e produções artísticas feitas nesse espaço do Rio de Janeiro, a curadoria decidiu que seria importante compor a lista de artistas convidadas priorizando a produção de artistas mulheres.

Victor Hugo Cavalcante: O verso “o meu lugar…” de Arlindo Cruz serviu como um enunciado disparador para a exposição. Como você vê a relação entre a música e as obras de arte na construção desse imaginário sobre o subúrbio?

Se você analisa a letra da música, pode perceber que na primeira estrofe o espaço está sendo descrito sem nenhum marcador territorial, só a partir da segunda estrofe que Arlindo Cruz começa a localizar espacialmente o território que entona em seus versos para, no refrão apontar para o bairro de Madureira.

Se nos concentramos na primeira estrofe, percebemos que a descrição é feita a partir de símbolos de afeto, elementos que remetem, provavelmente, a momentos de sua vida compartilhados com amigos e família.

No mesmo tempo em que esses elementos podem ser lidos como universais, ao pensarmos no compartilhamento de espaços de lazer e de trabalho, há uma evocação muito específica na descrição da dança, da luta e, até, dos sonhos que são compartilhados.

A música representa, sim, o subúrbio, mas também representa um sentimento de pertencimento e comunidade quando é entoada em rodas de samba ou karaokês.

Quando pensamos a exposição, queríamos sair de um imaginário perverso em relação ao subúrbio carioca.

Apresentá-lo a partir da ótica de quem nasceu ou vive no espaço.

Mostrar como a produção dos artistas da exposição expande o território e pode apresentar problemáticas universais para temas globais.

Pensamos que a música dialoga com a exposição por representar um pertencimento a um local sem cair em estereótipos.

Victor Hugo Cavalcante: A exposição busca questionar narrativas e estereótipos sobre os subúrbios e periferias. Quais foram os maiores desafios em abordar esses temas de forma crítica e inovadora?

A seleção das artistas foi pensada com cuidado especial para que a crítica a narrativas estereotipadas ao espaço suburbano carioca fosse evidente.

Foram selecionadas artistas jovens que circulam no meio das artes em diferentes espaços, que se apropriam da cidade e de seus elementos de forma crítica e delicada.

Queríamos apresentar novos olhares, por isso a importância de abrir espaço para as artistas que fazem parte da exposição.

Victor Hugo Cavalcante: Quais são as principais reflexões que você espera provocar no público ao visitar O Meu Lugar?

Esperamos que o público entre em contato com a produção de jovens artistas do Rio de Janeiro e que questione os estereótipos que ainda existem em relação ao subúrbio.

Ao apresentarmos obras em diferentes formatos, como fotografias, esculturas e pinturas, queremos que o público perceba as várias possibilidades de representação e criação.

Entenda que espaços e territórios são disputados não apenas fisicamente, mas simbólica e ideologicamente.

Victor Hugo Cavalcante: A diversidade de estilos e linguagens das artistas envolvidas é um destaque da exposição. Como essa pluralidade contribui para a ressignificação do subúrbio que vocês propõem?

O desejo da curadoria era sair do lugar-comum e apresentar a criação de artistas que habitam ou nasceram nessa parte da cidade.

Queríamos mostrar pluralidade não apenas nas linguagens como nos suportes utilizados pelas artistas.

Não ficamos presos a obras de parede, a exposição é composta por muitas obras tridimensionais que obrigam os visitantes a explorar diferentes ângulos das peças.

Ressignificar espaços é repensar nossa relação com eles, seja corporalmente ou imageticamente.

Ao selecionarmos obras com múltiplas possibilidades de experimentações dos olhares, estamos instigando novas leituras e, assim, provocando, pensamentos distintos do que é apresentado, seja enquanto obras singulares ou enquanto o mote da exposição.

Victor Hugo Cavalcante: A exposição tem uma forte dimensão sociocultural, abordando temas como pertencimento, moradia e memórias LGBTQIAPN+. Como esses aspectos se entrelaçam nas obras apresentadas?

As obras apresentadas trazem questões de território, podemos ver nas fotografias de Mariana Paraizo e Agrippina R. Manhattan na quais os limites de território e o espaço da rua são mostrados com suas possibilidades e fronteiras; Masina Pinheiro & Gal Cipreste realizam fotografias que abrem o diálogo para representações de gênero; Diambe, Joyce Olipo e Agrade Camíz apresenta obras que discorrem sobre moradia e trânsito a partir de olhares particulares para elementos da casa; Renata Leoa e Arorá trazem subjetividade em suas obras a partir da plasticidade da pintura e da fragilidade do material escultórico, respectivamente.

Victor Hugo Cavalcante: Quais foram as principais influências artísticas ou teóricas que orientaram a curadoria de O Meu Lugar?

Partimos de uma pesquisa realizada por Rafael para começar a criar o conteúdo da exposição.

Teoricamente, penso que o livro Local/Global — Arte em Trânsito de Moacir dos Anjos pode ser uma boa introdução para a discussão da produção de artistas inseridos no circuito das artes, mas levam elementos de sua identidade pessoal para suas criações.

Victor Hugo Cavalcante: Como você vê a importância de exposições como esta, que destacam territórios e experiências periféricas no contexto da Arte Contemporânea Brasileira?

Acredito que a discussão proposta é cada vez mais presente nos espaços das artes, tanto os acadêmicos quanto os espaços de galeria e museais.

Território, espaços a ocupar, o centro e o periférico, todas essas denominações que criam barreiras geográficas, estão cada vez mais em pauta na arte contemporânea, pois a identidade é uma das pautas mais importantes da contemporaneidade e está diretamente atrelada ao nosso lugar de moradia/vivência.

Vemos cada vez mais a presença de artistas provindos de lugares não-centrais em exposições de grandes museus e galerias, assim como temas derivados de espaços periféricos.

Ao ocuparmos espaços institucionais com a produção de artistas periféricos ou criando exposições cujas temáticas discutem tais territórios, conseguimos descentralizar o espaço das artes e permitir que diferentes pensamentos e corpos ocupem tais locais.

Victor Hugo Cavalcante: Para você, quais são os próximos passos para expandir a discussão sobre a representação dos subúrbios e periferias na arte? Existe algum projeto futuro em vista?

A exposição foi pensada como um projeto que, felizmente, foi selecionado no edital do Sesc Pulsar.

Não temos nenhum projeto em vista, mas, como a exposição partiu de uma pesquisa prévia de Rafael, esperamos que ele consiga ampliar a pesquisa em outros meios.

(Visited 17 times, 1 visits today)
Close
Pular para o conteúdo