Ivone Dias Gomes é atriz, dramaturga, diretora e professora de teatro.
Também é formada em licenciatura em teatro, pós-graduanda em Educação em Direitos Humanos, na UFABC, fundadora da Cia Dois Ventos (2016) e do Coletivo Njinga (2019) e realiza pesquisa sobre teatro e educação.
No ano de 2018/2019, vendo a importância do despertar cultural periférico paulista, a atriz resolveu criar o projeto Pretinha Adormecida.
Este é um projeto teatral e livro infantil criado e desenvolvido por Ivone Dias na Cia. Dois Ventos que crítica aos contos de fadas tradicionais ao contar a história de duas fadas negras que sonham em adotar a sua primeira filha.
A história vai além e cria novas narrativas para o corpo preto, tão subjugado em nossa sociedade, e também enaltece, de forma simples e natural, famílias pretas LBGTQIA+.
O projeto, contemplado pela Lei Aldir Blanc — Módulo Maria Alice Vergueiro, em 2020, foi montado e realizado online com apresentações gratuitas, e com oferecimento de duas oficinas de fantoches, de graça.
Agora sua criadora nos revela mais curiosidades e fatos desse relevante projeto para as periferias de São Paulo e do Brasil.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro é um prazer recebê-la no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Como surgiu a inspiração para o projeto Pretinha Adormecida e qual foi o processo criativo envolvido na sua concepção?
Ivone Dias Gomes: Bom, primeiro gostaria de dizer que é um prazer e honra compartilhar minha pesquisa com vocês e falar um pouco sobre ela.
Pretinha Adormecida nasceu da vontade de continuar a pesquisa que comecei em 2016 com o projeto Preta de Neve no reino Encantado, essa pesquisa pensa em desconstruir os contos de fadas brancos enraizados nasociedade e valorizar a cultura preta e periférica construindo narrativas pretas em corpospretos e marginalizados pela sociedade.
O processo criativo nasceu de pesquisas relacionadasa periferia, teatro preto e feminismo preto.
Victor Hugo Cavalcante: Quais foram os principais desafios enfrentados ao desenvolver um projeto que mescla teatro, literatura infantil e inclusão social, considerando especialmente as características únicas da narrativa proposta?
Os principais desafios até agora e acredito que infelizmente seguiremos com eles é sermos: mulheres, em maioria pretas, periféricas, fazendo e pesquisando arte.
E mostrando para sociedade e principalmente para a arte branca paulistana que existimos e resistimos fazendo isso.
Victor Hugo Cavalcante: Como a valorização da cultura popular brasileira se manifesta no projeto Pretinha Adormecida e qual é o papel dessas expressões culturais na narrativa?
A cultura popular faz parte da pesquisa de modo que ela também é uma mola que ajuda movimentar a história, a exemplo disso a festa de aniversário da pretinha se passa em um baile funk que tem roda de carimbó e rap, além disso, trazemos para cena e livro expressões de matrizes africanas, para pensar essas narrativas como expressões culturais também.
Victor Hugo Cavalcante: Como você vê o impacto do projeto Pretinha Adormecida na representatividade das crianças negras, LGBTQIA+ e de outras minorias no universo dos contos de fadas e da literatura infantil?
No projeto Pretinha Adormecida e Preta de Neve já tivemos algumas devolutivas do público sobre a representatividade, todas as pessoas me tocam quando falam sobre as peças após apresentação, em especial mulheres e meninas acima de 18 anos que falam o quanto foram impactadas com a história e como sentiam falta disso na sua infância.
Nos contos de fadas em geral acredito que o processo continua no começo, ainda falta muita representação de forma geral de todas as minorias, pretas, LBGTQIA+, PcD, etc.
Por isso é importante políticas públicas que foquem nos trabalhos artísticos dessas pessoas.
Victor Hugo Cavalcante: Além das apresentações teatrais e da distribuição dos livros, quais outras estratégias você adotou para ampliar o alcance e o impacto do projeto, especialmente nas comunidades periféricas?
Estamos fazendo oficinas em algumas regiões da Cidade de São Paulo: tivemos oficina de teatro preto no centro de São Paulo com a prof.ª Doutora Mabel Freitas, uma oficina de escrita criativa em uma ONG no Capão Redondo com o artista Abessa, uma oficina de atabaque com sons de ijexá no CCRaiz,terreiro de candomblé e centro cultural na zona leste de SP, com Cleber Diniz e uma oficina de corpos dissidentes na arte com a artista Mona Rikumbe.
Victor Hugo Cavalcante: Como a participação do projeto Pretinha Adormecida em eventos como o Festival Guiomar Novaes e a programação do SESC Araraquara, em 2023, contribuiu para ampliar o impacto e a visibilidade da mensagem de inclusão e representatividade que o projeto promove?
Contribuiu em conseguirmos expandir nossa comunicação para mais pessoas, em especial no SESC que sempre conta com uma estrutura acessível para pessoas com questões de locomoção motora.
O Festival Guiomar nos levou também a outra cidade em um festival lindo em que apresentamos para várias crianças.
Victor Hugo Cavalcante: Como a conquista do certificado de menção honrosa em 2022 pelo projeto Pretinha Adormecida influenciou o reconhecimento e a valorização do seu trabalho na promoção de narrativas inclusivas e na abordagem de temas relacionados aos direitos humanos no teatro e na literatura infantil?
Essa conquista me trouxe muita alegria, mas também muita responsabilidade mediante o trabalho que estou executando, afinal a menção honrosa foi dada pelo curso Educação em direitos humanos, e minha pesquisa no teatro gira em torno disso, por isso sempre estou pensando em formas de mais pessoas artistas marginalizadas somarem conosco, valorizando pessoas que querem ingressar na arte.
Fazendo valer o trabalho no palco e fora dele também politicamente.
Victor Hugo Cavalcante: Com base na sua experiência, qual é o potencial transformador do teatro e da literatura infantil na promoção da inclusão, diversidade e valorização da identidade cultural, especialmente no contexto brasileiro?
O potencial transformador do teatro e da literatura conversa diretamente na formação do ser humano, principalmente quando falamos de Brasil, somos privados do acesso à arte, a literatura, demos alguns passos para trás nos níveis de analfabetismo relacionados a educação nos últimos anos.
A arte de forma geral nos faz pensar em nós enquanto indivíduos e em nós enquanto coletivo e por isso a arte é tão perigosa, e por isso pessoas pobres, pretas, periféricas, marginalizadas de forma geral são provadas de arte e educação, pois tudo isso é poderoso.
E não querem que tenhamos acesso a isso.
Mas existimos, resistimos e seguiremos fazendo arte periférica para os nossos e com os nossos.