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Bate-papo com Diego Mendonça

Artista plástico cita inspiração, conexão com a cultura negra brasileira, influência na arte e seu compromisso com a conscientização sobre questões raciais e mais.

Foto do entrevistado Diego Mendonça.

O artista plástico mineiro Diego Mendonça vê o mundo em cores, perspectiva que coloca em quadros, por isso sua pintura expressa retratos da vida.

Na visão do artista, a arte fala por si e leva o espectador a reflexões sobre quem somos, o que fazemos e com que emoção fazemos, por isso, no mês da Consciência Negra, ele emprestou seus pincéis para dar voz à ancestralidade e à herança africana, através de sua coleção que retrata crianças com roupas da realeza, mas com estampas africanas, cada uma delas representando um direito ou sentimento necessário ao desenvolvimento infantil.

Quer saber mais dessa obra e do artista? Então confira a entrevista abaixo:

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro agradeço por nos conceder esta entrevista, e gostaria de começar perguntando: Você criou uma coleção de quadros que retrata crianças com roupas da realeza, mas com estampas africanas, cada uma delas representando um direito ou sentimento necessário ao desenvolvimento infantil, conte-nos sobre a inspiração por trás dessa coleção de arte e como surgiu essa ideia.

Diego Mendonça: Imagine, é uma honra!

Nós artistas precisamos ser muito gratos aos amigos da imprensa, pois vocês completam nossa missão de levar arte e dar cor à vida, por isso, eu quem agradeço!

Depois de uma conversa com Ana Paula Valadão, sobre um projeto na Angola, em Camizungo, comecei a orar para Deus a respeito do tema, pois tinha o desejo de fazer obras de arte para auxiliar o projeto.

O que eu deveria pintar? Claro que seriam crianças negras, mas como retratá-las? Quem são essas crianças e o que devemos oferecer a elas?

O Senhor usou um post da Ana com a missionária brasileira da Missão Atos, testemunhando o que o Espírito Santo ministrou a ela com a canção Aos olhos do Pai, do grupo gospel Diante do Trono.

Essas crianças foram planejadas, criadas pelo Senhor, com um toque de amor em cada detalhe, perfeitas aos olhos do Pai, são príncipes e princesas do Senhor.

E isso bateu forte no meu coração.

Imagine se o mundo não tivesse sido colonizado pela Europa e sim pela África.

Como seriam nossos museus, a moda, a arquitetura? Como seriam os quadros de reis e rainhas? Seriam bem diferentes não é?

E essa coleção fala sobre isso, não reforçando a ideia de colonização, mas trazendo uma reflexão sobre como seria a visão sobre racismo.

Victor Hugo Cavalcante: A coleção mencionada destaca os direitos e sentimentos necessários ao desenvolvimento infantil. Como você espera que suas obras influenciem a sociedade e a maneira como as crianças são percebidas e tratadas?

Minhas obras precisam tocar os corações.

Tenho provado de inúmeros relatos de pessoas negras que ao verem meus quadros sentiram fortes emoções, choraram, sentiram cura em sua alma e muitos outros relatos.

Creio que isso é apenas o começo, pois tenho visto também muitas pessoas (brancas, pardas, etc.) pararem em frente aos quadros e refletirem sobre a imagem, algumas até expressam verbalmente suas reflexões.

Muitas dessas crianças negras passam desapercebidas na sociedade, sendo discriminadas e deixadas de lado.

Essa coleção, ao mostrar o que as crianças, não apenas as negras, mas todas as crianças, precisam, como cuidado, empatia, provisão, amor, oração, princípios, justiça e outros, expressa meu desejo de trazer um grito ao olhar e um ajuste de conduta social, para nos ajudar a construir um mundo melhor.

Victor Hugo Cavalcante: Receber o Prêmio Top of Mind na categoria Artista Internacional é um grande reconhecimento. Como você acha que esse prêmio afetará sua carreira e seu impacto como artista?

Esse prêmio coroa uma trajetória de 25 anos de arte.

O prêmio trouxe uma repercussão muito positiva para minha carreira.

Mas isso não mudará minha essência como ser humano e como artista.

Sinto-me honrado e abraçado pelo público que votou em mim.

A votação foi aberta, pela internet e para ser sincero fiquei surpreso com o resultado, porque outros candidatos eram mais “populares” nas redes sociais, com muito mais seguidores, mas venci a votação.

Creio que o público gostou bem do meu trabalho e isso alegra minha alma e traz motivação para continuar a trabalhar e traz a certeza de que estou no caminho certo.

Victor Hugo Cavalcante: Você já mencionou que sua conexão com a cultura negra brasileira vem da sua herança familiar, mas como a história e a experiência do seu avô materno negro influenciou sua arte e sua luta pela conscientização?

Desde a adolescência sempre estive envolvido com projetos sociais e educacionais.

Acredito que temos a oportunidade de ser agente de transformação na vida de alguém, seja no fazer artístico, seja no fazer de uma especialidade técnica diferente (como médico, advogado, dentista, costureiro, pedreiro, etc.).

Podemos usar nossas habilidades e conhecimentos para auxiliar o próximo.

Certa vez fui questionado por uma pessoa do “porque Deus abandonou a África e havia tanto sofrimento lá”.

Confesso que como alguém que acredita em Deus, fiquei balançado com essa pergunta.

Rapidamente veio a resposta em meu coração: Não foi Deus quem os abandonou… fomos nós, é toda uma história de exploração, matança, ódio e descaso com o povo africano.

E o que temos feito por eles para reparar tudo isso?

Sou descendente de preto (o pai da minha mãe era preto, neto de escravizado) e vi muitas vezes meu avô sendo maltratado em lojas, por diversas pessoas, simplesmente por sua cor.

Ia aos museus e só via o preto como escravizado, como faxineiro na casa grande, como operário e trabalhando nas lavouras.

Foi então que decidi mais uma vez usar minha arte como ferramenta para transformação social e empoderamento das comunidades, fiz uma coleção inteira com crianças pretas, chamada Nobreza Negra, onde trago a reflexão de como seriam nossos príncipes e princesas se o mundo tivesse sido colonizado pela África e não pela Europa, como seria nossa arte?

Como seria nossa moda? Como seria nosso padrão de beleza?

E tem sido um sucesso, muitos pretos testemunham via Instagram, Facebook ou presencialmente na minha galeria o quanto foi importante conhecer meus quadros, pois se “sentiram representados na arte”, uma jovem uma vez me enviou um vídeo chorando, dizendo haver recebido cura na alma porque se viu como uma princesa.

Assim minha luta pela conscientização se consolida e se prolifera através das mídias sociais, internet e imprensa, alcançando corações e cumprindo a missão.

Victor Hugo Cavalcante: Como surgiu sua conexão com as artes plásticas?

Desde criança eu sonhava em ser artista, mas a necessidade e pressões familiares fizeram que eu buscasse uma renda e fiz concurso para sargento do Exército, lá iniciei meu curso no Direito.

Mas deixei o exército após três anos de caserna e continuei o curso do Direito, passei na OAB (2009), advoguei três meses e vi que não era esse o caminho que gostaria de seguir, já que não me via um idoso advogado aposentado.

Queria fazer mais, queria ser eu mesmo, queria deixar minha marca no mundo através do que eu amava fazer: pintar.

Então larguei tudo e comecei a dedicar exclusivamente à arte. 

Victor Hugo Cavalcante: Quais suas influências artísticas e o que te motiva a pintar um quadro?

Minhas influências são várias, amo Caravaggio, Michelangelo e outros, mas dois brasileiros marcaram muito minha trajetória artística: João Quaglia e Yara Tupynambá, que foram meus mestres e deixaram suas marcas em minha arte.

O que mais me motiva a pintar o quadro é a missão que tenho de levar reflexões, amor, paz, alegria e muitas cores para as casas das pessoas.

O ser humano é o carro chefe de minha obra, porque acredito que somos a obra-prima da criação divina, meu desejo é retratar e ratificar a essência boa nas formas pictóricas agradáveis ao olhar e à alma.

Eu poderia descrever vários outros aspectos aqui, mas vou transcrever uma fala do crítico de arte Carlos Perktold (psicanalista e integrante da Associação Brasileira de Críticos de Arte — ABCA e da Associação Internacional de Críticos de Arte — AICA):

“Ele mostra todo seu humanismo retratando cenas de maternidade nas quais desponta o cuidado e atenção entre mães e filhas, pinta ainda nossos irmãos indígenas, pessoas amigas, autorretratos e cria outras figuras humanas de seu universo, imortalizando-as. Em alguns deles, mostra jovens na praia atestando a beleza da mulher tropical e se preocupa com crianças, sem esquecer os pássaros e as flores”.

Victor Hugo Cavalcante: Além da representação de temas relacionados à cultura negra em sua arte, como você vê o papel dos artistas na promoção da igualdade racial e na conscientização sobre questões raciais no Brasil e no mundo?

A arte não pode ser apenas decorativa, ela precisa carregar uma mensagem, ela precisa ser ativista, ou seja, artivista.

Para Chiarelli (2019, p.26), “a arte social hoje em dia não é, de fato, um passatempo delicioso: é uma arma.”.

É essa arma que precisa ser utilizada.

É preciso construir um legado de arte social, que irá falar com a comunidade, que trará mudança de paradigmas, de pensamentos, que quebrará o colonialismo, que entrará em conflito com o racismo e com outras formas de preconceitos, contribuindo assim para a manutenção dos direitos humanos.

Esse é o papel do artista, desde a antiguidade os artistas fizeram isso e na atualidade isso precisa estar vivo na arte de cada um que se propõe a ser artista.

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