Obras como O Hobbit, As crônicas de Nárnia e O Senhor dos Anéis familiarizaram o público moderno com a inclusão de mapas em livros de fantasia, guiando os leitores por terras imaginárias.
No entanto, essa prática não é recente.
Já nos primórdios da era moderna, entre os séculos XVI e XVIII, mapas começaram a ilustrar narrativas ficcionais, apesar dos desafios que isso representava.
Afinal, a impressão de mapas encarecia a produção dos livros.
Além disso, a capacidade das palavras de evocar imagens mentais parecia torná-los desnecessários.
Para mergulhar nesse universo da cartografia ficcional, o historiador francês Roger Chartier traz a lume Mapas e ficções, lançamento da Editora Unesp.
“Como diz Franco Moretti, a geografia literária pode ter dois objetos diferentes: o estudo da literatura no espaço ou o estudo do espaço na literatura. A primeira perspectiva permite a elaboração de mapas das edições das obras e de suas traduções; a segunda, o registro dos lugares, das ações e deslocamentos dos personagens, diz respeito à geografia interna dos textos, não ao espaço de circulação dos livros”, escreve, na introdução, Chartier.
“Em ambos os casos, uma cartografia é possível, mas, em ambos, é feita no presente. Assim como os espaços do comércio livreiro, os escolhidos e descritos pelas ficções ganham tradução visual. Produzidos por palavras, tornam-se mapas, itinerários ou atlas. Essa operação deixa escapar uma realidade, ínfima, mas nem por isso menos verdadeira: a presença dos mapas em edições de obras quando de sua primeira publicação”.
Neste percurso escrito, a jornada começa com os mapas das aventuras de Dom Quixote e se estende até as edições venezianas de obras de Ariosto e Petrarca.
Duas linhagens principais emergem: a inglesa, que retrata as viagens de aventureiros fictícios como se fossem reais, como em As viagens de Gulliver e Utopia; e a francesa, de caráter alegórico, que tem como marco o Mapa do reino de Ternura, da obra Clélia, de Mademoiselle de Scudéry, e seus sucessores, repletos de simbolismo e crítica social.
Ao longo da história, os mapas literários assumiram múltiplos papéis: representaram mundos invertidos, satíricos, utópicos ou distópicos; borraram as fronteiras entre a realidade e a ficção; alimentaram a razão e os sonhos, transcendendo as limitações do texto escrito.
Ao explorar essas diversas obras clássicas, Roger Chartier oferece uma nova perspectiva sobre a mobilidade das ficções e suas interpretações, revelando como os mapas literários enriquecem a experiência do leitor e ampliam os horizontes da imaginação.