No próximo dia 9 de novembro, o palco do Teatro Ruth Escobar recebe a estreia de Amanhã Vai Ser Outro Dia, um musical que explora a vida de duas mulheres encarceradas, Carolina e Beatriz, embaladas por canções icônicas de Chico Buarque.
A peça promete abordar, de forma profunda e tocante, temas sociais e raciais que ainda reverberam fortemente na sociedade brasileira.
A peça conta com o trabalho duplo de Aline de Castro, que ficou responsável por atuar e escrever o texto da peça.
Aline é atriz profissional, cantora, escritora e produtora cultural.
A soteropolitana, radicada em São Paulo há quase três anos, comanda a Aline de Castro Produções desde 2021 e atua no cenário artístico há 25 anos, onde reúne dezenas de espetáculos em seu currículo, incluindo shows, peças de teatro, teatro de improviso, publicidade e cinema.
Aline também reúne diversas experiências de atuação e cursos com nomes como Márcio Meireles, Filinto Coelho, Fátima Toledo e Hamilton Oliveira.
Agora, em uma entrevista exclusiva ao Jornal Folk, a atriz e autora compartilha os desafios e inspirações por trás dessa produção inovadora, que refletem sobre o universo carcerário feminino e homenageia o legado de Chico Buarque, um dos maiores expoentes da Música Popular Brasileira.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-la no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta:O musical Amanhã vai ser outro dia explora a vida de duas mulheres encarceradas. Como surgiu a ideia de criar um espetáculo musical baseado nesse universo e quais desafios você enfrentou ao escrever e atuar em uma peça com temas tão densos?
Aline de Castro: Ouvir música, geralmente, estimula minha criatividade.
Eu estava ouvindo em meu fone de ouvido a música Deus Lhe Pague,de Chico Buarque, uma canção forte e teatral.
Me atentei ao fato de que Chico Buarque, além de ser um dos maiores compositores brasileiros que já existiu, também é dramaturgo.
O drama da canção, aliado ao momento em que eu estava vivendo, imersa em um ciclo que parecia que não havia saída para mim, fez com que as primeiras linhas de Amanhã Vai Ser Outro Dia nascessem.
Sou advogada também, embora não exerça mais a profissão há seis anos, onde trabalhei na área criminal durante três anos e conheci de perto o sistema carcerário.
Isso também me deu um repertório para o tema.
O maior desafio de montar uma peça com um tema de reflexão política e social é não perder a essência do lúdico.
É deixá-la palatável para o público.
Ser um espetáculo cantado ajuda nesse sentido, mas também tentei criar um texto onde existam refúgios com pitadas sutis de humor.
Victor Hugo Cavalcante: Chico Buarque é conhecido por exaltar o universo feminino e feminista em suas composições. Como você utilizou as músicas dele para dar mais profundidade às histórias e vivências das personagens Beatriz e Carolina?
Existe uma representação feminina nas canções de Chico.
Ele é conhecido por compor músicas para cantoras, intérpretes e personagens femininas em primeira pessoa.
Músicas como Carolina e Beatriz inspiraram os nomes das personagens.
As canções escolhidas para esse espetáculo também ajudaram a compor as cenas.
São como uma teia, um elo entre uma cena e outra.
Embora a peça não se passe na época da ditadura militar, e sim, atualmente, quase todas as canções têm um tom político, fato este que se aproxima da temática da peça, que por si só já é um tema político-social no nosso país.
Victor Hugo Cavalcante: Em Amanhã vai ser outro dia, as personagens Beatriz e Carolina têm vivências e origens muito distintas, uma mais frágil e a outra com a dureza das ruas. Como essas diferenças sociais e raciais se refletem na dinâmica entre elas ao longo do espetáculo, e o que essas interações podem revelar sobre a condição feminina no contexto carcerário, social e racial?
As diferenças entre Carolina e Beatriz são visíveis à primeira vista.
No decorrer da trama, vão surgindo algumas conexões entre as duas pelo fato de compartilharem as mesmas dores de uma sociedade patriarcal.
A solidão das mulheres em situação carcerária é muito maior do que a dos homens.
Da mulher preta, então, infinitamente maior.
Existem estatísticas que revelam que a maior porcentagem do encarceramento feminino se dá por tráfico de drogas.
Elas, geralmente, começam a traficar por situação de pobreza, já que foram em maioria abandonadas pelos pais, pelos parceiros, e, muitas vezes, tendo que criar um filho sozinha.
Não quero aqui romantizar o crime, mas já é comprovado que o abandono da mulher encarcerada acontece antes e depois que ela é presa.
Victor Hugo Cavalcante: O espetáculo acontece no mesmo teatro onde, em 1968, atores foram agredidos por encenarem Roda Viva, também com músicas de Chico Buarque. Qual a importância de trazer essa memória histórica para o palco atualmente?
Essa pergunta é curiosa, porque a escolha do Teatro Ruth Escobar foi uma coincidência.
Sou de Salvador, na Bahia.
Iniciei minha carreira artística lá, portanto, minhas maiores referências das histórias dos teatros sempre foram os teatros de lá.
Foi depois de fechar a temporada no Teatro Ruth Escobar que comecei a pesquisar sobre o lugar e tive a feliz revelação desse vínculo histórico do teatro com Chico Buarque.
Portanto, a emoção e a responsabilidade de apresentar Amanhã Vai ser Outro Dia no Teatro Ruth ficou ainda maior.
Victor Hugo Cavalcante: Como produtora cultural e atriz em São Paulo, como tem sido a recepção do público à sua trajetória, desde sua mudança de Salvador para a capital paulista, e o que você espera que o público sinta ao assistir este novo espetáculo?
Como toda nordestina que vem para o sudeste, existem certas dificuldades, como, por exemplo, o sotaque ainda ser um empecilho para a realização de alguns trabalhos.
Todavia, minha trajetória artística é longa e, durante o processo de reconhecimento do espaço, fui me embrenhando pelos palcos e pelo audiovisual paulistano e tem sido maravilhoso.
Hoje, me sinto extremamente grata pelo acolhimento de diversos profissionais que encontrei nessa minha jornada em “essepê”.
O público é a peça mais importante na construção do teatro e espero sempre poder retribuir o carinho que tenho recebido do público paulistano nesses três anos que vivo na capital paulista.
Acredito que, ao assistir ao espetáculo, os sentimentos da plateia vão alternar entre risos e lágrimas.