Os bebês reborn — bonecas hiper-realistas feitas de vinil ou silicone que imitam bebês com impressionante perfeição — foram criados originalmente como peças de colecionador, mas ultrapassaram as fronteiras do artesanato e conquistaram novos sentidos.
No Brasil, tornou-se uma febre e, em vídeos, adultos os alimentam, embalam, levam em carrinhos, criam rotinas.
O que à primeira vista pode parecer somente moda ou performance revela, em muitos casos, camadas simbólicas mais profundas.
Nesse cenário, a psicologia assume papel central.
Na psicologia infantil, o conceito de “objetos transicionais” — desenvolvido por Donald Winnicott — ajuda a entender como objetos como paninhos, bichinhos e bonecas oferecem conforto emocional e funcionam como uma ponte entre a dependência da presença materna e o desenvolvimento da autonomia.
Embora não haja consenso sobre o uso dessas bonecas por adultos, especialistas reconhecem que, em determinadas situações, elas também podem funcionar como recurso simbólico ou terapêutico — especialmente para mães e pais em fase de luto parental, desde que não substituam o acompanhamento psicológico adequado nem impeçam a continuidade da vida cotidiana.
O acolhimento qualificado pode transformar o modo como famílias elaboram perdas tão íntimas quanto silenciadas socialmente.
E recentemente, uma mudança na legislação brasileira trouxe novo fôlego a esse debate.
Em maio de 2025, foi sancionada a Lei do Luto Parental, que assegura o direito ao afastamento remunerado para mães e pais que perdem filhos durante a gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida.
A medida representa um avanço simbólico e prático ao reconhecer oficialmente essa dor e oferecer tempo mínimo para o luto ser vivido com dignidade.
Para aprofundar essas reflexões, conversamos com a psicóloga e neuropsicóloga Dr.ª Elaine Di Sarno, formada pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em avaliação neuropsicológica pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, Elaine ainda atua como pesquisadora no Programa de Esquizofrenia (PROJESQ) do mesmo instituto, além de prestar atendimentos individuais e familiares utilizando a abordagem cognitivo-comportamental.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, agradecemos pelo apoio de sempre e gostaríamos de perguntar: muitas pessoas passaram a se conectar emocionalmente com os bebês reborn no Brasil. Em casos de luto parental, como o bebê reborn pode auxiliar no processo de superação da dor? Há riscos quando esse vínculo ultrapassa certos limites emocionais?
Dr.ª Elaine Di Sarno: O uso saudável do bebê reborn no luto parental pode ser uma ferramenta valiosa para auxiliar os pais a processarem sua dor e emoções.
É fundamental ter acompanhamento profissional e usar o bebê reborn de forma consciente e intencional, visando processar o luto.
Porém, o uso do bebê reborn pode indicar sofrimento psíquico se for excessivo ou obsessivo e isso pode indicar que a pessoa está tendo dificuldade em lidar com o luto ou a perda.
Victor Hugo Cavalcante: Em que contextos o uso dos bebês reborn pode indicar um sofrimento psíquico mais profundo?
Se a pessoa tiver dificuldade em separar-se do bebê reborn ou se sentir ansiosa ou estressada quando não está com ele, pode indicar um apego patológico.
Se o bebê reborn for usado como substituto para o filho perdido, pode indicar que a pessoa está tendo dificuldade em aceitar a perda e está tentando preencher o vazio.
Além disso, se o uso do bebê reborn estiver afetando negativamente a vida diária da pessoa, como: relações sociais, trabalho ou atividades diárias, pode indicar sofrimento psíquico.
Ou se a pessoa tiver dificuldade em lidar com a realidade da perda e estiver usando o bebê reborn como uma forma de evitar ou negar a perda, pode indicar sofrimento psíquico.
Victor Hugo Cavalcante: Como a Teoria dos Objetos Transicionais na psicologia infantil pode ajudar a entender o uso dos bebês reborn por adultos?
A Teoria dos Objetos Transacionais sugere que as pessoas usam objetos, incluindo outras pessoas, para satisfazer suas necessidades emocionais e psicológicas.
Esses objetos podem ser pessoas, coisas ou ideias que têm um significado especial para a pessoa.
O objeto transicional ajuda a criança a lidar com a ansiedade de separação, proporcionando-lhe uma sensação de conforto e segurança, por exemplo.
Embora não haja uma conexão direta entre os dois conceitos, é possível que a Teoria dos Objetos Transacionais possa ser aplicada ao processo de renascimento pessoal.
Por exemplo, uma pessoa pode usar objetos transacionais, como relacionamentos ou atividades, para satisfazer suas necessidades emocionais e psicológicas durante o processo de transformação.
Victor Hugo Cavalcante: A sanção da nova Lei do Luto Parental pode ajudar a legitimar socialmente a dor da perda de um filho. Quais os possíveis efeitos psicológicos positivos dessa medida para famílias enlutadas?
A nova legislação garante que famílias que enfrentam a perda de um filho — durante a gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida — passem a receber tratamento psicológico e acolhimento estruturado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto.
A Lei do Luto Parental pode ter um impacto positivo na saúde mental e emocional dos pais enlutados, permitindo que eles tenham tempo para processar o luto e receber apoio emocional e psicológico.
É importante que os pais sejam apoiados e respeitados durante esse momento difícil.
Victor Hugo Cavalcante: Quais os desafios práticos para a efetivação da nova Lei do Luto Parental nas empresas e na sociedade?
Muitas empresas e funcionários podem não estar cientes da lei ou não entender como aplicá-la corretamente, por isso, é interessante a conscientização e educação.
Algumas empresas podem resistir à implementação da lei devido a preocupações com custos, produtividade ou impacto nos negócios.
A lei pode ser vaga em relação ao que constitui “luto parental”, o que pode levar a interpretações diferentes e dificuldades na aplicação.
Além disso, sua implementação pode requerer que as empresas forneçam apoio emocional e recursos para os funcionários enlutados, o que pode ser um desafio para algumas organizações.
Essa implementação também pode exigir que os gestores e RH lidem com situações sensíveis e emocionais, o que pode ser um desafio para alguns profissionais e também pode ter implicações financeiras para as empresas, especialmente se elas precisarem fornecer benefícios ou afastamento remunerado para os funcionários enlutados.
Enfim, a implementação da lei pode ser influenciada pela cultura organizacional e pelos valores da empresa, o que pode afetar como a lei é aplicada.
Victor Hugo Cavalcante: Quais os principais impactos emocionais enfrentados por mães e pais que vivenciam o luto parental, especialmente em casos de perdas gestacionais ou neonatais?
A perda de um filho durante a gestação ou logo após o nascimento pode causar uma dor e tristeza intensas e prolongadas.
Os pais podem se sentir culpados ou questionar se poderiam ter feito algo para prevenir a perda.
A perda pode causar ansiedade e estresse significativos, afetando a saúde mental e física dos pais.
O luto gestacional e neonatal pode aumentar o risco de depressão e outros problemas de saúde mental.
A perda também pode impactar na relação conjugal, causando tensão e estresse adicional.
Os pais podem ter dificuldade em lidar com a perda, especialmente se não receberem apoio adequado, e podem se sentir isolados e sem apoio, especialmente se não houver uma rede de apoio adequada.
O luto gestacional e neonatal é uma experiência emocionalmente desafiadora que pode ter impactos profundos e duradouros nos pais, por isso, é fundamental que os pais recebam apoio emocional e psicológico adequado para lidar com o luto e minimizar as consequências a longo prazo.
Victor Hugo Cavalcante: Como a psicologia pode auxiliar no processo de elaboração do luto sem patologizar a dor natural dessa perda tão íntima e silenciada — e de que forma o uso de um bebê reborn pode funcionar como recurso simbólico ou terapêutico nesse contexto?
Como falei acima, lidar com o luto não é nada fácil e cada um tem o seu tempo para elaborar a perda.
Porém, o apoio emocional de familiares, amigos e profissionais de saúde é fundamental para auxiliar os pais a lidarem com o luto.
O acompanhamento psicológico pode ajudar os pais a processarem o luto e lidar com as emoções, enquanto grupos de apoio podem fornecer um espaço seguro para os pais compartilharem suas experiências e receberem apoio de outros que passaram por situações semelhantes.
Cada pessoa é única, e o uso de bebê reborn pode não ser adequado ou útil para todos os pais que estão elaborando o luto.
O uso de bebê reborn não é uma solução mágica para o luto parental e deve ser usado em conjunto com outras formas de apoio e terapia.
No entanto, é fundamental que os pais recebam apoio profissional e usem o bebê reborn de forma saudável e não como uma substituição para o apoio profissional.
O uso saudável do bebê reborn no luto parental pode ser uma ferramenta valiosa para ajudar os pais a processarem sua dor e emoções.
É fundamental ter acompanhamento profissional e usar o bebê reborn de forma consciente e intencional, visando processar o luto.