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O desafio de ser mulher ao longo das décadas

O mês de março é conhecido como o mês da mulher, e por acreditarmos que este é um mês não apenas de comemoração, mas também de conscientização, conversamos com algumas mulheres de diferentes gerações e especializações sobre o desafio de ser mulher.

Mulher, uma palavra de seis letras surgida do latim muliere, segundo o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa MIchaelis, a mulher é o ser humano do sexo feminino que apresenta características consideradas próprias do seu sexo, como delicadeza, carinho, sensibilidade.

Porém, o que realmente significa ser mulher e como é ser mulher nesta e em outras épocas e décadas?

A violência segue vitimando meninas e mulheres no país.

Segundo dados coletados no relatório Violência contra mulheres em 2021, elaborado para o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 56.098 estupros foram registrados no sistema de segurança contra mulheres (incluindo vulneráveis do gênero feminino).

O crescimento dos registros de violência sexual foi de 3,7% em relação ao ano anterior.

Já, desde que a Lei do Feminicídio (13.104/15) entrou em vigor, em 2015, o número de casos registrados pela Segurança Pública aumentou 62,7%.

Segundo a lei, o feminicídio prevê situações em que a vítima é morta em decorrência de violência familiar ou doméstica.

Também é feminicídio se o assassinato ocorrer por discriminação ou menosprezo, ou à condição de mulher.

Lesão corporal dolosa é a agressão que coloca em risco a vida da vítima, e registros deste tipo aumentaram em 2021, segundo o relatório da pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Chamadas ao 190 de casos de violência doméstica e ameaças também constam no estudo, que consolida dados do setor de segurança pública no Brasil em 2021.

A pesquisa utilizou fontes oficiais dos órgãos públicos responsáveis.

Para explicar um pouco sobre estes dados e sobre como a mulher é vista hoje em dia se comparado a outras décadas, conversamos com as ativistas de direitos femininos Juliana Matrone (31 anos) e Leni Chiarello Ziliotto (60 anos):

Juliana Matrone é psicóloga formada pela UNIFAAT, desenvolvedora de projetos em competências socioemocionais com mulheres, coordenadora do projeto Análise da escolha profissional e coordenadora do projeto Promotoras legais Populares (PLPS) de Praia Grande, na qual utiliza a educação popular para promover às mulheres o acesso aos direitos, à justiça e às políticas públicas.

Sobre como enxerga o desafio de ser mulher, a idealizadora do projeto teSER, coletivo de profissionais de diferentes áreas que buscam trabalhar e discutir sobre saúde psicossocial integrativa, comenta:

“Começo falando sobre os diretos das mulheres, pois vejo que avançamos muito quando olhamos para história e as conquistas são inúmeras.”.

Ela ainda cita as principais conquistas, já que como ela ressalta, estamos comemorando essas conquistas:

“Em 1827 as mulheres são liberadas para frequentar as escolas, em 1879 conquistamos o direito ao acesso às faculdades, em 1910 o primeiro partido feminino é criado, em 1928 a primeira prefeita brasileira é eleita, em 1932 conquistamos o direito de votar, em 1960 acontece a criação da pílula anticoncepcional, em 1962 sai o estatuto da mulher casada, em 1974 conseguimos o direito de portarmos cartão de crédito, em 1977 é sancionada a lei do divórcio, em 1979 as mulheres garantem o direito à prática do futebol, em 1985 é criada a primeira delegacia da mulher, em 1988 a Constituição Brasileira passa a reconhecer as mulheres iguais aos homens, em 2002 a falta de virgindade deixa de ser crime, em 2006 foi criada a Lei Maria da Penha, em 2015 a Lei do feminicídio é aprovada, em 2018 a Lei da importunação sexual é conquistada e em 2023 nós conquistamos o direito a laqueadura sem precisar do consentimento do homem”.

Para Matrone a ideia de iniciar pelos direitos é para refletirmos que apesar de existirem, não garantem, de fato, um progresso.

“Nem por isso deixamos de ser assediadas nas ruas devido à criação da lei de importunação sexual, ou quando sofremos violência psicológica e física, a maioria das delegacias de mulheres realizam um péssimo atendimento e desencorajam a denúncia. Não deixamos de ser mortas, estupradas e silenciadas devido à criação da Lei Maria da Penha, ou seja, o que poderia de fato melhorar em questão de direitos é pensar em toda estrutura da misoginia, nossa sociedade é educada simbolicamente para ver a mulher como um recurso a serviço da manutenção desse estado patriarcal e capitalista. Não há o desejo de equidade e justiça, mas sim da exploração de todos e principalmente da classe sexual mulher. Como afirma Simone de Beauvoir, somos o ‘segundo sexo’, portanto, a escória da sociedade”.

“Costumo dizer que levamos muito tempo para conseguirmos adentrar aos espaços que nos garantem a fala. Hoje, isso se modificou. Mas, ainda temos que brigar muito pelo direito de sermos ESCUTADAS. RESPEITADAS, REMUNERADAS E VALIDADAS COMO SERES HUMANOS.” finaliza.

Leni Chiarello Ziliotto se apresenta:

“Eu sou uma mulher de 60 anos, comemorados em 1º de novembro de 2022, data em que lancei o livro Sessente-se Bem, juntamente com 25 convidados que também contam a sua história, em fotografias e escrita. Somos a geração que está se posicionando no sentido de não envelhecer, a mulher Leni, de olhos verdes e inquietos, viveu intensamente a sua juventude na década de 80, a década que provocou as mulheres a refletirem acerca da ‘idade da loba’, livro de Regina Lemos, onde quarentar era um desafio, uma marca histórica na vida da mulher.” Apresenta-se a escritora.

Para Leni Zilioto, a mulher dos anos 80 é aquela que sentia o repuxo forte da cultura de papéis diferentes para homens e mulheres, fossem eles em casa, fossem eles na vida pública.

“Simultaneamente, sentia o impulso para respirar, para se emancipar, para ‘militar’. Foi a década de maior engajamento feminino em movimentos, em organizações, em que a mulher se dividia entre a militância e as questões do dia a dia. Pode-se dizer que somos uma geração que se construiu com ‘um pé lá e outro cá’. Nos libertamos, sim, mas sentindo o repuxo forte do passado.” Completa a também bióloga, palestrante e mentora literária.

“Tivemos mulheres corajosas que se destacaram na quebra de paradigmas como a princesa Diana, a pop Madonna, o feminicídio tratado pela lei por influência de Maria da Penha, a francesa Françoise que descobriu o vírus causador do maior mal da década, a AIDS. Livros como Mulher e Sexo, que denuncia a mutilação feminina, foi publicado e divulgado na década de 80, após proibido por mais de 20 anos. E, Leni, que não desistiu do sonho de ser escritora e hoje ensina outras mulheres a brilharem na literatura, apesar de toda a maré contra, familiar, social, cultural.”.

A autora de 21 obras publicadas e mais de 80 participações em coletâneas (inter)nacionais ainda afirmou que seu “EU” jovem dos anos 80, viveu o peso do papel da mulher em subordinação aos padrões em relação ao homem, enquanto buscou seu espaço, lutou por direitos, por olhar justo e equitativo na questão de gênero, subiu alguns degraus para a filha e a neta estarem entre as mulheres que mais levemente circulam pelos espaços, sejam eles de ordem privada ou pública.

“Eu vivi em um tempo em que o jovem tinha pressa para ficar adulto, símbolo de poder. Atualmente, vivendo o tempo em que, e vendo os jovens demoram mais para se engajarem em atividades consideradas adultas, como se envolver em relacionamentos, ter relações sexuais, trabalhar, dirigir, em comparação com o tempo da minha juventude, eu penso que também, para esses jovens, está tudo bem. Eles colherão os frutos da pessoa adulta que serão em breve, como eu estou colhendo a minha semeadura, e que me sacia com os frutos da resiliência, da persistência, da força de vontade, da diplomacia, da disciplina, do jogo justo e bem jogado, na vida particular e na vida pública.”.

Já sobre sua contribuição para as futuras gerações de mulheres, Zilioto é enfática:

“Pela minha filha e pelas futuras gerações de mulheres, eu sei que contribui para que o espaço da mulher seja de conquista de sua independência financeira, primeiro fator de liberdade feminina, bem como a ampliação de sua liberdade sexual e reprodutiva, sua inserção no mercado de trabalho, seu espaço em todas as áreas e funções. Em simultâneo, eu compreendo que as jovens mulheres da atual geração ainda têm alguns obstáculos a transpor, como a dificuldade de conciliar a vida familiar com a vida profissional, a necessidade de priorizar e saber que isso traz consequências, uma vez que é desafiador desempenhar com excelência tantos papéis (mãe, profissional, esposa, dona de casa e outros). Ou seja, ainda estamos no meio do caminho. É nesse ponto que eu vejo a minha filha, com 35 anos, mãe de três filhos, excelente profissional e cuidadora do seu ‘lar’.”

Ainda segundo Leni Zilioto, as mulheres de hoje são firmes e fortes ainda em processo de conquistar espaços merecidos por direito, quebrando tabus, se expondo a violências físicas, sociais, morais, financeiras, resistindo e insistindo. E, nunca excluindo. O homem, os homens, os seus homens, sejam eles pais, esposos ou filhos, mantidos em seu coração, em suas conquistas, em seu existir.

“Mulher é acolher e cuidar, com excelência, onde elas estiverem.” encerra.

Conforme dados do relatório da pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2022, 26 mulheres sofrem agressão física por hora, além disso, a cada 10 minutos uma mulher também arrisca ser estuprada e a cada um dia de ser assassinada.

Para comentar como anda a saúde mental da mulher apesar destes percalços, conversamos com a psicóloga Andreia Convento que explica que falar desse assunto é de extrema importância, pois vem cada vez mais afetando a vida de muitas mulheres que estão sofrendo:

“Quando se fala na saúde mental da mulher é importante destacar aspectos como trabalho, família, alimentação e a grande cobrança que sofre da sociedade”.

Ainda segundo Andreia, as mulheres sofrem grande pressão, pois além de trabalharem fora, são referências em seus núcleos familiares.

“Porém quando falamos em Saúde Mental, ainda não se é dada a devida atenção, muitas vezes além de estarem cansadas têm que lidar com a preocupação de manterem seus empregos, em alguns casos durante uma gravidez e a dupla jornada de trabalho em casa, cuidando dos filhos e da família em geral, e com a sobrecarga física e mental a mulher vem sendo cada vez mais afetada, apresentando casos de transtornos mentais, como a depressão, pois vai além das questões biológicas estão ligadas aos fatores sociais”.

Segundo a psicóloga, a sobrecarga do trabalho, pressão constante, falta de qualidade de vida somado ao trabalho doméstico que realiza ao chegar em casa depois de um dia exaustivo, torna ainda mais pesado emocionalmente para as mulheres.

“Circunstâncias podem ocorrer, como ter que se afastarem para cuidar dos filhos, licença maternidade, doenças físicas e mentais podem gerar uma percepção de comprometimento ao trabalho da mulher e com isso uma discriminação e exclusão do mercado de trabalho.”.

Convento ainda diz que é importante mencionar que a violência contra a mulher tem crescido cada vez mais, e esse abuso é sofrido tanto em casa como em seu ambiente de trabalho, em muitos casos.

“Temos constantemente vistos casos de abusos, violência sexual, física, institucional ou psicológica que afetam a saúde mental da mulher. Além de todas essas situações enfrentadas, muitas vezes quando buscam ajuda em serviços de saúde no que se refere a sua saúde mental, não encontraram acolhimento e se calam por não encontrarem esse apoio, ainda sendo taxadas de como ‘queixosas’”.

A violência contra mulher sempre esteve presente em seus lares, empregos, na sociedade, e se hoje com o maior empoderamento das mulheres grande parte dessa violência tem sido denunciada, mesmo assim, segundo Andreia Convento, isso não apaga as cicatrizes no corpo e na alma dessas mulheres.

“É preciso leis, mudanças efetivas no sistema e na sociedade, programas que compreendam e acolham essas mulheres, tratem suas dores, cuide da sua saúde mental, o número de feminicídios tem crescido cada vez mais, é preciso parar, a mulher tem o direito de se sentir segura, respeitada, não viver com medo de andar na rua, de frequentar o lugar que ela desejar, de usar a roupa que ela quer e não ser abusada por isso.”.

A psicóloga ainda comenta que apesar da mulher ter conquistado um grande espaço dentro do mercado de trabalho, ainda não tem o devido reconhecimento, inclusive o financeiro.

“Além de uma rotina exaustiva de trabalho, demandas domésticas, a cobrança da sociedade, a mulher está enfrentando cada vez mais agressões, físicas e psicológicas, afetando assim sua saúde mental. É preciso que esse assunto seja cada vez mais discutido e medidas efetivas sejam tomadas para o cuidado com a saúde mental que vem sendo cada vez mais afetada das mulheres”. Enfatiza e finaliza a psicóloga.

A advogada Eloísa Samy Santiago comentou sobre sua concepção sobre a importância de termos hoje a Lei do Feminicídio (13.104/15) e sobre os dados coletados e elaborado para o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022:

“A edição da Lei Maria da Penha contribuiu sobremaneira para dar evidências à violência contra a mulher e também oferecendo alguns instrumentos de proteção e combate a essa violência”.

“Não tenho dúvidas quanto ao aumento dos casos. Há várias razões, mas acredito que a principal delas está no crescimento do feminismo e na possibilidade que isso representa de emancipação e libertação das mulheres” completa a advogada.

E a professora de história Marta Quirino comentou sobre a visão da mulher (e seus direitos) na sociedade ao longo dos tempos desde 1932, quando Getúlio Vargas sancionou o direito ao voto feminino em 1932.

“A sociedade brasileira infelizmente ainda tem muitos traços machista. Após anos de lutas as mulheres conquistaram direitos, e o de votar foi um deles, foram 50 anos para ter o direito de ir às urnas, fomos um dos primeiros países da América Latina a conquistá-lo. De lá para cá tem sido uma luta incessante para conquistar e fazer valer esses direitos, no Brasil temos muitos direitos no papel, mas que, na prática, são deixados de lado, isso acontece, por exemplo, quando a mulher recebe um salário inferior ao do homem executando a mesma tarefa, ou quando a mãe não tem rede de apoio para trabalhar e sustentar os filhos, ou quando no mercado de trabalho a preferência é para o homem por não precisar se ausentar do trabalho quando o filho adoece”.

“Cada Lei criada para fortalecer os direitos existentes na Constituição é uma mostra de que a sociedade está falhando em algum ponto e a Lei Maria da Penha existe para mostrar essa falha em direitos, o Brasil necessitou de uma lei, além da Constituição que diz no Artigo 5º, determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, lista os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade; assegurados a todos, sem qualquer distinção de classe social, etnicidade e religião. Portanto, as mulheres não tiveram o seu direito a segurança garantido… O direito a não ter mais filhos era uma piada, precisava do consentimento do esposo, graças a perseverança as mulheres conseguiram mudar esse quadro e atualmente não precisam de aprovação deles para realizar laqueadura após os 21 anos” Complementa a professora. “São passos lentos de conquistas, mas caminhamos, precisamos educar nossas crianças para crescerem sem preconceitos, não nascemos com estereótipos, aprendemos com todos que nos cercam. Na política brasileira temos mulheres lutando por direitos sociais, tem sido uma busca constante por apoio, quando temos uma Constituição que na teoria nos garante todos os Direitos possíveis, é triste, lutamos por conquistar o que já temos. Celebramos nesse mês de março o Dia da Mulher, onde tentamos lembrar a sociedade do compromisso com a igualdade de Direitos” encerra Marta Quirino.

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