Como um contrafeitiço musical, o álbum de estreia do cantor e compositor potiguara Juão Nÿn é apresentado.
O primeiro disco do artista é intitulado NHE’ETIMBÓ (Ouça o disco completo no final da matéria), a partir do conceito original de VOZ, FUMAÇA DE CORPO, o qual é subtítulo e livre interpretação do neologismo Nhe’etimbó, uma elaboração de que voz é corpo para devolver no canto dignidade ao próprio recorte indígena, revalorizar o sagrado nativo e deixar um material artístico e criativo da própria cultura étnica, sendo um bom ancestral.
Ao longo de nove faixas cantadas em Tupi, um prólogo e um epílogo com ruídos baseado no Grito/Canto dos Anjos, Juão apresenta uma pesquisa pela cultura do próprio povo, em uma obra que entrelaça a riqueza cultural indígena com sons contemporâneos e dançantes.
Grito/Cantos do Anjos é um som, relatado pelos colonizadores, que os Potiguaras faziam ao serem executados queimados pelo calor de uma fogueira, amarrados de cabeça para baixo sobre elas.
Detalhes do álbum e tracklist
KARAIMONHANG é a canção-foco do projeto e traz a palavra como portal, como um pedido de benção sendo colocado na boca do público.
“Eu penso arte e vida de uma forma muito integrada, então este lançamento é fruto deste movimento de colocar para fora tudo o que já estava dentro de mim há tempos. São músicas que eu já canto entre os meus, com as pessoas que já estão comigo”, conta Juão.
O álbum parte do conceito da fumaça como a ponte entre o mundo material e imaterial, baseado num ditado de Catimbó a fumaça é a voz.
“Então, na hora em que me juntei a Romildo Araújo, meu professor de Tupi Potiguara, e ao produtor Guilherme Kastrup, transformamos as canções que já me orbitavam, seja no teatro ou no terreiro”, completa o artista.
NHE’ETIMBÓ evoca a simbologia da fumaça, baseada na ideia do contrafeitiço.
Cada faixa é uma manifestação musical que busca transformar a percepção e a consciência do público, começando pela intro AWE NHE’E, que resgata palavras sagradas que sofreram o uso pejorativo por conta do racismo religioso.
“A alma das nossas palavras está na linguagem, como um feitiço, por isso apresento o álbum completo como um contrafeitiço”, enfatiza Juão.
O interlúdio é amarrado ao final do disco, pelo epílogo AWE TIMBÓ.
Com a intro, a tracklist é então seguida pela faixa ABYA YALA, primeiro single apresentado, que traz uma expressão afirmativa para ecoar “Terra Viva”, pelos povos originários.
O termo é oriundo da cosmovisão do povo Guna do Equador, e enfatiza como os povos decidiram chamar o continente, ao invés de usar o nome de um colonizador para batizar as terras em que vivem.
KA’ATIMBÓ é então apresentada como uma metalinguagem por trazer literalmente um catimbó.
“Esta é uma canção de 1938, que foi registrada pelas missões folclóricas de Mário de Andrade. Ela é cantada em português e quando escutei identifiquei ser uma canção de cosmologia potiguara”, explica Juão.
A terceira faixa é ASÉ, segundo single lançado, criado a partir de um provérbio potiguara.
TIMBORA, que significa fumaça no Tupi, versa então sobre como a mesma conecta os mundos materiais e imateriais, e as influências entre ambos.
Abrindo a segunda metade do álbum, TAMUI PEBA, por sua vez, é uma canção mais infantil com o intuito de ajudar a lidar com o luto, por meio de versos sobre um ciclo de retroalimentação sobre a carne de caça.
Sendo seguida por XAWARA SUPÉ, que traz uma composição sobre o entendimento de Juão de se ver no meio de uma guerra entre a fumaça boa e a ruim, “é uma canção que fala sobre como nós artistas guerreiros da cultura estamos batalhando nessa guerra das fumaças, como metáfora para o imaterial”.
A faixa-foco do disco, KARAIMONHANG, chega para ressaltar a palavra como um portal.
Já INIABA é uma canção que brinca sobre respirar e fumar:
“Ao fazer isso viramos uma rede para o vento se balançar, é uma música bem bucólica e rural para saudar esse ancestral que é o vento”, conta Nÿn.
Para completar a tracklist, Juão apresenta SY’I, em que nina sua mãe.
“Fiz esta música para minha mãe e minha avó, como uma canção para ninar mães, pois quando estou no colo dela eu esqueço que viver é esta insistência”, reflete o artista.
O álbum então é amarrado, como um ato cultural, reafirmando seu lugar como algo imaterial, pois a cultura, a música, a palavra e a fumaça são coisas que “ninguém consegue pegar, mas todos conseguem sentir”.
Gravado inteiramente na Toca do Tatu, estúdio de Kastrup, o disco de estreia de Juão traz como principais influências, artistas indígenas contemporâneos, como Cacique Pequena, Wakay, Gean Ramos e Fykya Pankararu, Lyryca, Kuaray O’ea, Siba Puri, Brisa Flow, Kaê, Wescritor, MC Poka Roupas, dentre numerosos outros.
Ouça o disco NHE’ETIMBÓ completo abaixo: