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Inclusão do autismo ainda é entrave no mundo do trabalho

Especialistas alertam para dificuldades de identificar talentos, adaptar ambiente profissional e treinar equipes para atuar com profissionais com TEA.

Imagem de um laço simbolizando o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.

As leis garantem a inserção de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mercado de trabalho, mas mesmo com a pauta de diversidade tão amplamente disseminada entre as empresas, este tem sido um grande desafio.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que 85% dos profissionais com autismo estão fora do mercado de trabalho.

Além do preconceito, há a dificuldade dos gestores de identificar talentos e de adaptar tanto o ambiente de trabalho quanto treinar as equipes para acolherem os profissionais com TEA.

“A empresa precisa priorizar a pluralidade, mas ainda estamos muito longe de alcançar a inclusão de pessoas neurodivergentes. Seja no ambiente corporativo ou no escolar, é necessário desenvolver estruturas e ferramentas, além de contar com uma cultura de acolhimento social adequada para que isso ocorra”, afirma Valmir de Souza, COO da Biomob, startup especializada em consultoria e soluções de acessibilidade.

Ele lembra que é comum no ambiente de trabalho que a equipe subestime a capacidade e aptidão de pessoas com deficiência, o que é traduzido pelo capacitismo.

“O debate sobre o descumprimento da legislação que garante o direito e participação plena da pessoa com deficiência na sociedade ainda é pobre e isso se dá muito por conta do capacitismo, que acontece quando a deficiência é posta acima da pessoa. Ele é traduzido por situações como um olhar de pena, uma pergunta invasiva, ou uma tentativa de elogio e manifesta preconceito no dia a dia”, ressalta.

O Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo é celebrado em 2 de abril, sendo criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para difundir informações para a população sobre o transtorno para reduzir a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas afetadas.

As pessoas diagnosticadas com TEA exibem condições caracterizadas por algum grau de dificuldade com comunicação e interação social, além de padrões atípicos de atividades e comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.

Tais traços se manifestam de diferentes maneiras, em diferentes graus e podem representar ganhos às organizações quando bem direcionados.

Uma das características dos profissionais com TEA é o hiperfoco, que faz com que sejam mais detalhistas e analíticos, habilidades de extremo valor para áreas como TI, por exemplo.

Além disso, são mais produtivos quando contam com rotina e um bom planejamento.

“É preciso desmistificar uma série de estereótipos quando falamos de contratar uma pessoa autista. O alto escalão da empresa deve se envolver na questão para entender o perfil do profissional e atribuir funções relacionadas às suas habilidades pessoais e ao seu foco de interesse. Dentro desta visão, todos tendem a ganhar”, afirma o especialista em governança corporativa, Roberto Gonzalez.

A analista de P&D da Otimiza, Jessica Costa, que participa do projeto Otimiza Neuro Pixel, voltado para apoiar empresas na identificação e diagnóstico de neurodivergências em colaboradores não-diagnosticados através de IA, explica que pessoas com autismo grau 2 e 3 de suporte tendem a ter mais dificuldades na fala (geralmente são não-verbais) e nas habilidades sociais.

“Ser não-verbal não o impede de saber se comunicar. Com as tecnologias atuais, existe uma ampla rede de instrumentos que podem auxiliar na comunicação alternativa, como pranchas e o iPad. O que acontece muito é que pessoas TEA 2 e 3 ingressam no mercado de trabalho em empregos mais mecânicos, não descartando a possibilidade de sua inserção em outras áreas”, observa ao ressaltar que as terapias precoces na infância auxiliam no desenvolvimento e preparo dos futuros profissionais.

Para atrair e reter talentos com TEA, o gestor deve definir as atividades objetivamente, com padrões claros e sem mudanças bruscas.

Além disso, é preciso ter cuidado com o ambiente de trabalho, que idealmente precisa ser livre de ruídos, cores e texturas.

“Além de cuidar do ambiente físico para ser leve, é importante dar mentoria a esses profissionais e atuar na sua integração com a equipe, que deve receber treinamento para lidar com a pessoa com TEA. Neste sentido, os colaboradores precisam evitar utilizar figuras de linguagem e ironias, por exemplo, já que há uma dificuldade de entender colocações assim”, explica Valmir de Souza.

Inclusão por lei

A Lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012 (conhecida como Lei Berenice Piana) instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa TEA.

Sua inserção no mercado de trabalho também é garantida pela Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (lei 8.213/91).

A legislação determina as proporções para empregar pessoas com deficiência, que variam consoante a quantidade de funcionários (de 100 a 200 empregados, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%).

As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo e a contratação de empregados com TEA é opcional àquelas empresas que possuem quadros com menos de 100 colaboradores.

As multas para instituições que descumprirem a legislação podem chegar a R$ 228 mil.

Estatísticas conservadoras

Existem cerca de 70 milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

As estimativas oficiais dão conta que o transtorno está presente em dois milhões de brasileiros.

As estatísticas, porém, podem ser conservadoras, pois muitos não recebem o diagnóstico correto na infância e atingem a vida adulta sem saber que tem TEA.

Alguns estudos dão conta que o número de brasileiros com transtorno pode ser até o triplo das estimativas oficiais.

O último relatório do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), denominado Relatório Comunitário de 2023 sobre Autismo, retrata que 1 a cada 36 crianças aos oito anos é diagnosticada com TEA nos Estados Unidos.

Se a estatística for extrapolada para a população brasileira, o número pode chegar a quase 6 milhões de pessoas.

No Censo Demográfico 2022 o tema foi incluído pela primeira vez, mas os resultados ainda não foram divulgados pelo IBGE.

Neurodiversidade alavanca resultados

O relatório A diversidade vence: como a inclusão é importante, produzido pela McKinsey em 2020, demonstra que as equipes neurodivergentes superam as homogêneas em 36%, em termos de rentabilidade.

“Integrar profissionais neurodivergentes é uma forma de trazer novas visões, inovações e alavancar o negócio”, ressalta o CEO da Otimiza Benefícios, Anderson Belem.

Diagnosticado com TDAH e Altas Habilidades/SD Criativo Produtivo apenas aos 40 anos, Belem sentiu na pele o que é ser diferente.

“Trilhei um caminho repleto de mal-entendidos e oportunidades perdidas até a fundação da minha empresa, que nasceu justamente dessa visão diferenciada das coisas e levou à reengenharia no modelo de benefício do vale-transporte, poupando milhões de recursos que eram desperdiçados anualmente”, conta.

Atualmente, aproximadamente 15% da população mundial é classificada como neurodivergente.

São pessoas que, em situações específicas, respondem de forma diferente daquilo que seria esperado, o que pode provocar até mesmo dificuldades de adaptação. Como exemplo, temos dislexia, TEA, TDAH e síndrome de Tourette.

“É preciso desmistificar a neurodivergência no mercado de trabalho e apresentar os benefícios da pluralidade e diversidade acima de tudo. A verdadeira superação reside em aceitar nossas singularidades e entender que a inovação nasce da diversidade”, defende Belem.

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