Como me desenvolvo no mercado de trabalho, sendo surdo?
Essa é uma pergunta que tenho recebido com certa frequência nos últimos tempos.
Sendo bem sincera, não tenho uma resposta pronta, que irá resolver todas as nuances que passa a questão do desenvolvimento profissional de uma pessoa surda oralizada.
Porque, antes de começar o artigo, preciso que fique claro que essas perguntas me são feitas por surdos oralizados, não por profissionais que se comunicam exclusivamente em Libras.
Antes da resposta, precisamos entender os porquês da pergunta.
A Lei de Cotas para pessoas com deficiência, a Lei 8213/91, que faz a reserva de 2 a 5% dos postos de trabalho para pessoas com deficiência, abre as portas do mercado de trabalho para profissionais cujo currículo seria descartado pelo fato de terem uma deficiência.
Pois antes dela, o mercado de trabalho era muito menos acessível e muitas pessoas sequer conseguiam ser contratadas, uma vez que a deficiência era usada para preterir o profissional em questão.
Entretanto, essa lei se restringe ao ingresso no mercado.
A lei não diz respeito ao desenvolvimento de carreira, ao acesso às oportunidades de promoção e tampouco ao tratamento que a pessoa receberá dos seus superiores ou da equipe.
E é aí que se encontra o âmago da pergunta-título do artigo.
Tendo como ponto de partida o ingresso através da Lei de Cotas, também existe o despreparo das equipes em receber pessoas com deficiência.
Tratando-se de surdos oralizados, o sentimento de não-pertencer, de ser excluído porque ninguém conversa com a pessoa, é uma reclamação frequente.
Pessoas em geral têm medo de se comunicar com surdos oralizados, já que a informação que se chega sobre surdez, no senso comum, é de alguém incapaz de se comunicar.
Soma-se ao fato que muitas pessoas surdas oralizadas têm vozes que soam diferentes do padrão, o chamado “sotaque de surdo”.
E muitas também precisam de algumas estratégias específicas para uma comunicação eficiente, que tenha o apoio da leitura labial e que seja feita sem pressa de jogar a mensagem de qualquer jeito.
Passo, então, algumas dicas simples para as próprias pessoas surdas melhorarem as estratégias de comunicação, permitindo que sejam vistas como profissionais além da deficiência:
Tome a iniciativa de conversar com a equipe sobre sua surdez: A maioria das pessoas não se sente confortável de fazer perguntas, achando que pode ofender.
Converse sobre a melhor estratégia para te passarem tarefas: por escrito? Por e-mail? Por mensagem no chat interno da empresa? Como impresso?
Converse também sobre as ferramentas de acessibilidade de que você precisa: legenda? Intérprete de Libras? Leitura da ata após a reunião?
Tenha em mente que você conhece as suas necessidades específicas, os outros conhecem, se conhecem, apenas explicações genéricas.
Seja oferecido: convide-se para almoçar com os colegas, para tomar café, coloque-se à disposição para ajudar, tome a iniciativa para cumprimentar as pessoas, apresente-se antes de todos.
Pode parecer desconfortável? Sim, mas a maioria das pessoas realmente não tem prática de lidar com surdos oralizados, então somos nós quem ensinamos as pessoas a lidarem conosco.
Aproveito para dar algumas dicas para as equipes também:
Informem-se sobre a realidade dos surdos oralizados: peçam indicações de conteúdos para seguir nas redes sociais.
Converse com a pessoa, mesmo com medo de ser mal compreendido: É através da comunicação que a comunicação flui, não tem outro jeito.
Enxergue o profissional antes da condição: delegue o trabalho, cobre e incentive, tal como faria com qualquer profissional.
Do contrário, você próprio será uma barreira no desenvolvimento de alguém da sua equipe e todos são afetados.
De fato, nada que falei é uma fórmula mágica que irá desenvolver todas as pessoas surdas oralizadas no mercado de trabalho, mas, tal como a Lei de Cotas, é um ponto de partida, para que não se comece a inclusão sem um mínimo de informações.
O mercado de trabalho precisa de profissionais motivados, assim como as pessoas com deficiência precisam de oportunidades reais.
Para isso acontecer, informação é o básico.
Ficaram dúvidas? Conte-me para que eu possa ajudar.
Sobre a autora
Lak Lobato é formada em Comunicação Social e, desde a infância, convive com a deficiência auditiva.
Lak transformou sua vivência em propósito: mostrar ao mundo a existência dos surdos oralizados, pessoas que, assim como ela, utilizam próteses ou implantes auditivos e se comunicam em língua portuguesa.
Essa trajetória resultou na criação da SOBRETOM Comunicação, a primeira consultoria no Brasil especializada em surdos oralizados e pessoas com deficiência auditiva.
Com mais de 15 anos de experiência como criadora de conteúdo, já publicou quatro livros, dois deles voltados para o público infantil, e mantém um blog reconhecido por compartilhar experiências práticas e soluções sobre a vida com deficiência auditiva.
Sua produção de conteúdo se estende às redes sociais, onde combino dicas valiosas, relatos inspiradores e informações acessíveis para quem deseja entender melhor esse universo.
Além de consultora, Lak Lobato é palestrante e já realizou duas TEDx Talks, além de dezenas de palestras em todo o Brasil.
Nessas oportunidades, ela traz à tona temas como acessibilidade, inclusão e o papel da tecnologia na transformação da vida das pessoas com deficiência auditiva, sempre com uma abordagem leve e engajante.
O artigo de Lak Lobato é um ponto de partida para ampliar a discussão sobre a realidade dos surdos oralizados no mercado de trabalho. O problema não deve ser enfrentado individualmente pelo profissional com deficiência, mas sim por meio da responsabilidade coletiva e do cumprimento das leis já existentes.
Empresas que não se adaptaram não estão apenas desrespeitando direitos, mas também perdendo talentos valiosos. A inclusão não é um favor; é um direito garantido por lei.