O suicídio é um tema delicado e complexo que demanda uma abordagem ética e sensível em contextos educacionais, religiosos, familiares e sociais.
Discutir o suicídio de maneira construtiva pode promover a conscientização, reduzir o estigma e oferecer apoio às pessoas que enfrentam crises emocionais.
Uma das maneiras de abordar o tema é analisar as causas, os fatores de risco, as estratégias de prevenção e as intervenções para ajudar indivíduos em risco.
Esse estudo é conhecido como suicidologia.
Para aprofundar nosso conhecimento sobre esse campo, convidamos a psicóloga Dr.ª Elaine Di Sarno (foto abaixo) para explicar sobre o assunto.
Suicidologia: Entendendo o campo de estudo, suas contribuições e desafios
A suicidologia é o campo de estudo dedicado à pesquisa, compreensão, prevenção e tratamento do suicídio e dos comportamentos suicidas.
“Ela envolve uma abordagem interdisciplinar, integrando conhecimentos de áreas como psicologia, psiquiatria, sociologia, antropologia, medicina e saúde pública, entre outras” aponta a, também, neuropsicóloga Dr.ª Elaine Di Sarno.
Nos tópicos abaixo, ela explica mais sobre as contribuições e desafios da suicidologia na identificação e prevenção ao suicídio:
- Identificação dos fatores e abordagens de prevenção
Após estabelecer a importância da suicidologia, é crucial entender os fatores de risco que a pesquisa identifica.
Com essa base, passamos a explorar como a compreensão desses fatores ajuda na formulação de estratégias eficazes de prevenção.
Os principais fatores de risco identificados pela suicidologia incluem transtornos mentais, como depressão e transtorno bipolar, histórico de tentativas de suicídio, abuso de substâncias, experiências traumáticas, isolamento social e crises econômicas ou de saúde.
“Além disso, eventos estressantes da vida, como perdas significativas, também são fatores importantes”, responde Elaine Di Sarno.
Ainda segunda a psicóloga e neuropsicóloga, a compreensão desses fatores de risco ajuda na formulação de estratégias de prevenção ao permitir que profissionais e políticas públicas foquem em intervenções direcionadas.
“Por exemplo, programas de suporte psicológico e social, campanhas de conscientização e treinamento de profissionais de saúde são desenvolvidos para identificar e intervir precocemente em indivíduos em risco, reduzindo, assim, a probabilidade de suicídio”, encerra a doutora.
Com a identificação dos fatores de risco em mente, é possível avançar para as intervenções que se mostraram eficazes na prevenção do suicídio.
Confira a seguir intervenções que contribuem para essa redução.
- Intervenções eficazes no tratamento e prevenção do suicídio
Estudos em suicidologia têm levado ao desenvolvimento de intervenções eficazes, como a terapia cognitivo-comportamental, que ajuda a reestruturar pensamentos negativos e prevenir comportamentos suicidas.
Linhas de apoio, como os serviços de emergência para crises, oferecem suporte imediato e têm se mostrado muito importantes para reduzir o risco de suicídio.
“Campanhas como a do Setembro Amarelo e programas comunitários que promovem a conscientização e a redução do estigma em torno da saúde mental também são eficazes, incentivando a busca por ajuda”.
Além disso, segundo Elaine aponta, a restrição do acesso a meios letais, como armas de fogo e certos medicamentos, tem sido uma estratégia preventiva relevante.
Essas intervenções, combinadas, contribuem significativamente para a redução das taxas de suicídio.
Enquanto exploramos as intervenções eficazes, é importante considerar o impacto da suicidologia na formação de profissionais de saúde mental e educadores, tema que abordaremos a seguir.
- Impacto da suicidologia na formação de profissionais de saúde mental e educadores
A pesquisa em suicidologia influencia diretamente a formação e o treinamento de profissionais de saúde mental e educadores ao fornecer conhecimentos atualizados sobre os fatores de risco, sinais de alerta e intervenções eficazes para a prevenção do suicídio.
Elaine ainda explica essa pesquisa “capacita esses profissionais a reconhecerem comportamentos suicidas, a utilizarem ferramentas de avaliação de risco e a intervirem de forma adequada e empática”.
Além disso, ela promove a conscientização sobre a importância da abordagem interdisciplinar e do suporte contínuo, preparando-os para atuar de maneira proativa na prevenção do suicídio, tanto em contextos clínicos quanto educacionais.
Com a base estabelecida na formação de profissionais, vamos agora explorar como a suicidologia contribui para a redução do estigma associado ao suicídio e à saúde mental.
- Redução do estigma associado ao suicídio e à saúde mental
A suicidologia contribui para a redução do estigma associado ao suicídio e à saúde mental ao promover o entendimento de que o suicídio é um problema complexo e multifatorial, não um ato de fraqueza ou falta de caráter.
“Ao disseminar informações baseadas em pesquisa, a suicidologia educa a sociedade sobre as causas e os fatores de risco, desmistificando preconceitos e promovendo a empatia”, explica Elaine Di Sarno.
Além disso, ao desenvolver e apoiar campanhas de conscientização, ela encoraja a busca por ajuda e o diálogo aberto, tornando o tema menos “tabu” e incentivando uma abordagem mais compreensiva e acolhedora para aqueles que enfrentam problemas de saúde mental.
Apesar dos avanços, a suicidologia enfrenta desafios significativos, como veremos a seguir.
- Desafios atuais na suicidologia
Para Elaine, “os desafios atuais na suicidologia incluem a dificuldade de prever com precisão quais indivíduos estão em maior risco de suicídio, devido à complexidade e variabilidade dos fatores envolvidos”.
Além disso, segundo a doutora, o estigma persistente em torno do suicídio e da saúde mental dificulta o acesso ao tratamento e a abertura para discutir o problema.
Uma maneira de superar esses desafios é usar os dados da suicidologia para informar políticas públicas.
Veja como essas informações são aplicadas a seguir.
- Uso de dados da suicidologia para informar políticas públicas
Ao identificar fatores de risco, como transtornos mentais e populações vulneráveis, a suicidologia orienta a criação de estratégias de prevenção direcionadas.
“Essas informações ajudam a alocar recursos de forma mais eficiente, priorizando intervenções em áreas e grupos de maior risco. Além disso, as pesquisas fornecem evidências sobre a eficácia de diferentes abordagens”, revela Elaine.
Finalmente, é crucial que as intervenções sejam personalizadas para se adequar aos contextos culturais e sociais específicos, conforme será explicado no próximo tópico.
- Personalização de intervenções culturais e contextuais na suicidologia
A suicidologia desempenha um papel crucial na personalização das intervenções ao reconhecer que diferentes populações e contextos culturais apresentam fatores de risco, experiências e percepções únicas em relação ao suicídio.
“Ao estudar como aspectos culturais, religiosos, sociais e econômicos influenciam o comportamento suicida, a suicidologia permite a adaptação das estratégias de prevenção para atender às necessidades específicas de cada grupo. Isso inclui o desenvolvimento de abordagens culturalmente sensíveis que respeitam tradições e crenças locais, bem como a implementação de intervenções que considerem a linguagem, os valores e as normas sociais de uma comunidade”, explica Di Sarno que ainda comenta que essa personalização aumenta a eficácia das intervenções, tornando-as mais relevantes e acessíveis e melhora a aceitação e o engajamento das pessoas nas estratégias de prevenção.
Tratando sobre suicídio em diferentes núcleos
Durante o Setembro Amarelo, mês dedicado ao combate e prevenção ao suicídio, é comum falar nas causas do suicídio, mas pouco se discute sobre a prevenção em diferentes núcleos que o ser humano habita, seja familiar, entre amigos, na escola ou no núcleo religioso.
Sobre a prevenção na área educacional, a Dr.ᵃ Elaine Di Sarno compartilha suas perspectivas:
“Em um passado não muito distante e até os tempos atuais falar de saúde mental de forma geral na sociedade era e é tabu, então, incluir programas de educação sobre saúde mental e abordar o tema nas escolas é fundamental para a prevenção não só do suicídio, mas, de ações como bullying, gerando também muitos problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade, inclusive, podendo levar ao suicídio”.
Ela também comenta sobre quais treinamentos são essenciais para que os profissionais da educação aprendam a discutir e lidar com essas questões nas escolas:
“Para profissionais da educação é importante o letramento sobre saúde mental a partir de palestras, cursos, leitura de artigos científicos e o apoio da instituição de ensino na busca por informações de fontes confiáveis”.
As perspectivas religiosas sobre o suicídio podem variar amplamente e desempenham um papel significativo no apoio às pessoas que enfrentam crises emocionais.
As comunidades religiosas podem oferecer tanto apoio quanto desafios no tratamento desse tema.
A psicóloga comenta sobre tais desafios e como a discriminação pode influenciar o apoio oferecido aos indivíduos em crise:
“Há religiões que condenam o suicídio, tratando-o, inclusive, como algo pior que o homicídio, contribuindo para gerar um estigma maior ainda sobre a questão e impactar negativamente o apoio e a busca por ajuda por parte dos tentantes ou dos familiares de pessoas que cometeram suicídio. É muito importante que a religião também busque respaldo na medicina e na ciência para tratar a questão”.
Ela também aborda como o núcleo religioso pode resolver esses casos de empecilho da discussão sem sofrer discriminação:
“É uma questão delicada, mas é importante sempre privilegiar o bem-estar do indivíduo acima de questões de religião. Se a religião estiver atrapalhando o bem-estar da pessoa, é necessário rever essa questão”.
Para finalizar, Elaine comenta sobre o papel dos líderes religiosos e conselheiros espirituais na prevenção do suicídio, e como eles podem colaborar com profissionais de saúde mental nesses casos:
“É importante que os líderes religiosos respeitem os indivíduos que estão passando por momentos difíceis em relação à saúde mental e, principalmente, não culpabilizem a pessoa. É necessário o letramento a respeito da saúde mental, o respeito para com o outro e o apoio na busca por ajuda profissional”.
No ambiente familiar e entre amigos, a maneira como abordamos o suicídio também pode ter um impacto profundo.
A psicóloga relata que a relação como a família e amigos abordam essa questão tem “total impacto, visto que família e amigos forma a rede de apoio da pessoa”.
Ela também sugere as melhores práticas para manter uma comunicação aberta sobre o tema e como identificar sinais de alerta de alguém que pode estar enfrentando pensamentos suicidas:
“É necessário empatia e o respeito, sempre, em primeiro lugar, além de dar orientação por busca por ajuda profissional, apoio emocional e nunca culpabilizar a vítima. Ouvir essas pessoas mais do que falar também é muito importante, já que muitas vezes, a pessoa precisa falar e quer ser ouvida”.
Ainda segundo a Dr.ᵃ Elaine Di Sarno, os sinais de alerta podem vir por meio de uma alteração muito brusca de comportamento, isolamento social, alterações no peso (para mais ou para menos), vontade de não fazer nada e não interagir com ninguém, etc.
Abordar o suicídio com sensibilidade e responsabilidade pode ajudar a prevenir tragédias e promover uma cultura de apoio e compreensão.
Seja na educação, na religião ou no ambiente familiar e entre amigos, a maneira como discutimos e tratamos o tema pode fazer uma diferença significativa na vida de muitas pessoas.