A paulistana Marina Cyrino Leonel faz sua estreia na literatura infantil com o livro Clay — Que forma você quer ser quando crescer?, uma obra delicada e inspiradora publicada pela Editora Labrador.
Com ilustrações de Sami Ribeiro, o livro nasceu a partir de uma jornada de autodescoberta da autora, que trocou a carreira na medicina veterinária pelo sonho antigo de escrever.
Clay surgiu em um curso de escrita criativa quando Marina mergulhou em um processo artesanal de criação e reencontro com sua essência criativa.
Com sensibilidade, o livro propõe uma reflexão sobre vocações, liberdade de escolha e a coragem de mudar de rumo — temas que atravessam todas as idades.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Folk, Marina fala sobre as dificuldades de traduzir questões profundas para a linguagem infantil, sua transição de carreira e o poder de histórias que inspiram a autenticidade.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, agradecemos por nos conceder essa entrevista e gostaríamos de perguntar: O livro Clay — Que forma você quer ser quando crescer? nasceu de uma jornada muito pessoal. Em que momento você sentiu que precisava transformar sua própria busca em uma história para crianças (e adultos)?
Marina Cyrino: Tudo começou quando me inscrevi em um curso da Ana Holanda, em fevereiro de 2023, que tinha como proposta a criação de um livro infantil (até então, minha experiência como escritora recém-assumida era com crônicas e minicontos para adultos).
Mas o curso não tinha a intenção de levar, de fato, à publicação do livro, e sim estimular os alunos a explorarem a criatividade.
A Ana queria que fôssemos além da escrita, trabalhando nas ilustrações e na montagem do livro artesanalmente, pegando em lápis de cor, giz de cera, papel, colagem… coisas que raramente fazemos após adultos.
O escritor sempre escreve sobre aquilo que o toca.
No momento do curso, a transição de carreira era definitivamente o assunto que morava no meu coração.
Eu havia acabado de me reconectar com o hábito da escrita e estava sentindo uma empolgação, uma paixão, que até então eram desconhecidas para mim.
Sabia que queria contar uma história sobre profissões e vocações e assim nasceu o Clay.
Acreditei muito na mensagem do livro e desejei que ele tivesse a chance de inspirar ao menos uma pessoa.
Então, alguns meses depois, decidi partir para a publicação.
Victor Hugo Cavalcante: Você menciona que o livro Clay fala sobre a coragem de se reinventar, qual foi a forma que você mesma precisou assumir ou reinventar em sua própria jornada para se tornar escritora?
Precisei assumir a minha “forma original”: única e complexa demais para ser definida em palavras.
Só consegui descobrir como era essa “forma” através do autoconhecimento.
Através dele percebi, por exemplo, que eu achava que o vestibular era algo talhado na pedra.
Acreditava piamente que deveria encontrar a profissão certa para mim, aquela que levaria até a morte.
Muitas pessoas acreditam nisso, já que é bem comum relacionarmos a identidade às nossas ocupações.
Está no jeito de se apresentar: “Oi, meu nome é Marina, médica-veterinária”, “Prazer, sou a Marina, escritora”; como se fosse imprescindível classificar o sujeito da frase.
E os nossos gostos e hobbies? Nossos papéis de amiga, filha, mãe, esposa? As tentativas e erros que cometemos, tão essenciais para entender quem somos?
Hoje, tenho certeza que a nossa verdadeira “forma” tem um potencial gigante e ela é legal e bonita demais para ser rotulada só pelo nome de uma profissão.
Victor Hugo Cavalcante: Como foi e quais foram os desafios de adaptar temas tão profundos como vocação, liberdade e autenticidade para a linguagem sensível da literatura infantil?
Foi difícil, precisei estudar e buscar muitas referências.
Um dos livros que me ajudou foi A parte que falta, que fala de temas profundos utilizando uma linguagem e ilustrações bem simples.
Ele serviu de inspiração durante a criação do livro artesanal no curso da Ana, onde precisei desenhar as ilustrações — sou terrível nessa habilidade.
A parte que falta tem uma estética minimalista, o personagem principal é basicamente um círculo.
Eu conseguia desenhar uma ou outra forma geométrica.
Juntei essa ideia com a temática de profissões e vocações e a história nasceu.
O livro artesanal ficou pronto e eu achei que tinha arrasado.
Mas na hora de profissionalizar para a publicação veio o desafio de verdade.
Descobri que a literatura infantil tinha mais nuances e peculiaridades do que eu havia imaginado.
Tive a sorte de contar com o ilustrador Sami Ribeiro, que me ensinou muito sobre esse universo durante as nossas conversas.
Por sua causa fiz um curso específico de literatura infantil e uma leitura crítica, a qual é a análise minuciosa do texto feita por um especialista da área.
Foi aí que entendi, por fim, o que precisava fazer para tornar o livro interessante para as crianças e publicá-lo com responsabilidade.
Victor Hugo Cavalcante: Durante a criação artesanal do livro, houve algum momento marcante ou simbólico que te fez perceber que estava no caminho certo?
Nunca vou esquecer do dia em que apresentei a ideia para a turma.
Estava nervosa, sem saber o que esperar, mas tive um retorno que aqueceu meu coração.
Tinha gente de todas as idades no curso: de vinte e poucos até setenta anos.
Todos se identificaram com o meu rabisco sorridente, meio torto, capaz de se transformar em várias formas diferentes.
Uma colega psicóloga disse que adoraria levar a história para o consultório, porque ela atendia muitos jovens que sofriam durante o ensino médio.
Eu já fui essa adolescente que tinha muito medo.
Percebi que o Clay poderia ajudar algumas crianças, jovens (e adultos!) confusos por aí.
Então, esse foi um dia que me deu coragem para seguir em frente.
Victor Hugo Cavalcante: O que você espera que leitores adultos redescubram em si ao acompanhar a jornada do personagem Clay com seus filhos?
Espero que eles redescubram sua criança interior.
Aquela que um dia desejou ser astronauta, pianista, médica e cantora, tudo no mesmo dia.
Ela continua existindo dentro de cada um de nós, só esperando para ser resgatada.
Espero que os adultos entendam serem livres para errar, experimentar e se reinventar quantas vezes quiserem.
Que nunca é tarde para perseguir um sonho antigo e é sempre tempo de descobrir uma nova vocação.