No dia 9 de agosto, a exposição Argus estreou em Berlim após um notável sucesso nas galerias brasileiras.
A exposição sediada na Galeria Bardo Projektraum celebra os 200 anos da Imigração Alemã no Brasil e pode ser conferida até 17 de agosto de 2024, das 11h às 18h.
Uma das artistas expositoras é a brasileira Laura Figueiredo-Brandt.
Laura Figueiredo-Brandt, nascida em 1962 no Rio de Janeiro, é uma artista que traz a vibrante essência do Brasil para a cena artística internacional.
Residente na Alemanha desde 1991, Laura reside atualmente em Heidelberg, onde continua a explorar e expandir sua linguagem artística.
Sua jornada artística começou em 2001 com a pintura em aquarela, mas foi em 2008 que ela mergulhou profundamente nas técnicas de gravura, design plástico, desenho e, finalmente, na pintura acrílica, a qual se tornou sua grande paixão.
Laura é conhecida por sua abordagem vibrante e colorida da pintura.
Seu trabalho é um diálogo constante entre formas e cores, refletindo sua profunda conexão com o ambiente natural e a rica paisagem cultural do Brasil.
A natureza carioca, com seus contrastes dramáticos e luz intensa, serve como uma fonte de inspiração contínua para suas criações, permitindo-lhe desenvolver um repertório único e inconfundível.
Através de sua pintura livre e do expressionismo figurativo, Laura explora a análise da paisagem, seleção e recortes da imagem, escolhas pictóricas e sobreposições cromáticas, sempre em busca do momento em que a obra está “definitivamente inacabada”.
Sua arte é uma celebração da intensidade e da exuberância do seu país natal, transformando a experiência sensorial da natureza carioca em uma expressão visual fascinante e profundamente pessoal.
Na entrevista abaixo, Laura Figueiredo-Brandt detalha sua evolução artística desde o início com aquarela até sua paixão pela pintura acrílica, destacando a importância da liberdade criativa em seu trabalho, como sua mudança para a Alemanha influenciou seu uso das cores e como a paisagem e cultura brasileiras continuam a inspirá-la, apesar da distância.
Victor Hugo Cavalcante: É um prazer tê-la conosco no Jornal Folk. Para começar, gostaríamos de saber: como você vê a evolução do seu estilo artístico ao longo dos anos e como isso reflete sua visão pessoal e filosófica sobre a arte?
Laura Figueiredo-Brandt: Olá, obrigada pelo convite.
Comecei minha pintura com aquarela, cursei durante sete anos porque era viável naquela época.
Em 2008, notei justamente que não havia evoluído nada, não me sentia livre, achava que era tudo muito “doce”.
Após um curso de um ano, onde pude conhecer diversas técnicas das artes plásticas, me deparei com a pintura em acrílica.
Busquei então um aprofundamento com três artistas da Região Reno Neckar, onde novas técnicas são experimentadas e onde há a troca/conversa entre os participantes.
Pintei intensivamente em casa, no meu ateliê e fui cada vez mais descobrindo do que gostava e qual era a minha linguagem, não sigo o que está na moda.
A minha pintura é livre e foi esta liberdade que encontrei e que quero que continue.
A nossa arte, se somos fiéis a ela, às vezes também nos salva, não existe o certo ou o errado.
Victor Hugo Cavalcante: Em sua biografia, você menciona que a pintura acrílica se tornou sua grande paixão. O que foi que a atraiu para essa técnica e como ela se compara com as outras que você experimentou?
Sim, além de desenho, aquarela, guache, nanquim, ponta seca, água-tinta, argila, xilogravura… foi na pintura em acrílica que pude misturar muito as cores, alcançar inúmeras nuances, usar o pincel livremente, uma “desordem” que não consegui com a aquarela.
Tenho que citar que nunca consegui pintar a óleo por ser altamente alérgica/asmática e também estar num país onde passamos meses com a janela fechada.
Victor Hugo Cavalcante: Como a sua mudança para a Alemanha em 1991 influenciou o seu trabalho artístico? Há elementos da cultura e paisagens alemãs que se refletem nas suas obras?
Sim, a minha vida/aprendizado artístico aconteceu aqui.
Desde minha chegada, sabia que algo me faltava.
Comprava sempre quadros nas viagens de férias e precisei de alguns anos para descobrir que o caminho era esse, queria pintar.
As ruínas do velho mundo, florestas, flores, já fizeram parte de muitas obras minhas.
Mas a cor cinza do céu alemão e respectivas nuances, observadas por mim desde que cheguei, é o meu contraste, após começar com cores vibrantes.
Victor Hugo Cavalcante: Você tem uma forte conexão com o Rio de Janeiro e a natureza carioca. Como a paisagem e a cultura brasileira influenciam sua arte, mesmo estando distante fisicamente?
Todo ano viajo para o Rio e toda aterrissagem continua sendo uma grande emoção, literalmente o “samba do avião”.
O Rio é lindo, céu, mar, montanhas, jardins… O Brasil todo, se vou para algum lugar, sempre tem algo que trago como inspiração, seja natureza, souvenir, as vestimentas, rituais, feiras, a arquitetura, fotografo tudo.
Victor Hugo Cavalcante: Em 2022, você participou da Business Art Fair em Paris. Como foi essa experiência e de que forma ela impactou sua carreira artística?
Em 2022, fiz 60 anos e muitas amigas e familiares sempre diziam que eu deveria mostrar minha arte e colocar na internet.
Até então participava de exposições da minha região e não tinha a coragem talvez de mudar isso, apesar de ter muitos trabalhos.
Com o encorajamento dessas amigas, resolvi expor lá, pois seria um contato diferente de público dos meus dois mundos.
Foi uma ótima experiência, onde resolvi assumir minha arte publicamente nas redes e profissionalmente.
Victor Hugo Cavalcante: Pode nos falar sobre a importância do expressionismo figurativo na sua arte e como você o incorpora nas suas obras?
Como já mencionei, meu lema é a liberdade na pintura e nada mais perfeito do que o Expressionismo associado a importância das cores.
Participei durante 13 anos de um curso que se chamava do Realismo ao Abstracionismo, começava com desenho do motivo e com várias técnicas ia chegando ao abstrato.
Eu conseguia me abstrair rapidamente e fui notando que eu voltava com a figura ou deixava uma parte dela.
Victor Hugo Cavalcante: O que significa para você ser membro da GEDOK-Heidelberg e como essa associação contribui para o seu desenvolvimento artístico?
A GEDOK é a associação mais antiga e maior rede na Europa de “mulheres” artistas nos diversos domínios das Artes.
Como no meu caso, por não ter o título acadêmico das artes plásticas, ficaria praticamente impossível conseguir expor em galerias, acessar editais, por isso ano passado tomei a decisão de me candidatar para a GEDOK-Heidelberg e fui aprovada.
Com essa aprovação você tem acesso ao que citei anteriormente e também uma troca com outras associações de artistas.
Victor Hugo Cavalcante: Como é o seu processo criativo desde a análise da paisagem até a decisão de quando uma obra está “definitivamente inacabada”?
Gostei do que observou, não foi erro de digitação o ‘inacabada’.
Quando começo, faço com pinceladas o primeiro esboço muito livremente e partindo do motivo que tinha na foto do celular, por exemplo.
A pintura flui, as cores não são planejadas, somente de como preparei o fundo de tela.
Como minha pintura não é realista, tenho a tendência de sempre querer continuar, nunca parar.
Apesar de várias vezes os outros terem dito que estaria excelente o “antes”.
Acho que faz parte do meu processo de ter minha linguagem, tomar minhas decisões e parar ali onde eu posso sempre continuar.
Se o quadro não deixar o ateliê, corre riscos.
Agora em julho, coincidentemente, apareceu para mim no Instagram uma entrevista da artista Eva Beresin que comenta exatamente isso, nunca está acabada, é um status-quo quando sai do ateliê.
Victor Hugo Cavalcante: Na exposição coletiva Argus, como você incorporou a temática da imigração alemã em sua arte? Como essa abordagem específica contrasta com a maneira como a exposição Entremundos reflete sua combinação de raízes brasileiras e vida na Alemanha?
Na coletiva Argus são pequenos trabalhos em papel, técnica mista com xilogravura e acrílica, as cores vibrantes é que representam o mundo que os alemães encontraram ao chegar aqui.
A exposição Entremundos combinou paisagens brasileiras e motivos associados a quem sempre tive profunda admiração: Burle Marx e Oscar Niemeyer.
Pelo lado alemão a série é ‘ruínas’.
Victor Hugo Cavalcante: Comparando ambas as exposições mencionadas acima, como a influência da sua vida na Alemanha é expressa de maneira diferente em cada uma e de que forma cada exposição destaca aspectos distintos de suas origens culturais e experiências atuais?
Como mencionei acima, a Argus mostra em pequenos trabalhos as nossas cores, muita luz, certamente a luminosidade que encontraram no Brasil.
Enquanto na Entremundos, com 20 trabalhos e também maiores, pude mostrar claramente minhas raízes, minha paleta que é uma influência dos dois mundos.
Para fechar, o interessante é que na Alemanha minhas obras se diferenciam nitidamente pelas cores, e esse é sempre o primeiro comentário dos observadores.
Aqui em Entremundos, ouvi de outros artistas que reconheciam imediatamente a influência alemã na minha pintura.