Em 21 de junho de 1959 acontecia um embate futebolístico épico entre um time carioca e um time paulista.
Enquanto São Paulo era representado por Santos Futebol Clube, quem representava o estado do Rio de Janeiro era o alvinegro Botafogo.
De um lado, jogadores como Nilton Santos, Garrincha, Didi e Zagallo jogavam pelo Botafogo, de outro Zito, Pelé, Pepe e outros, representava o famoso peixe de São Paulo.
O jogo, que valia a final da Taça Tereza Herrera, também contou com a imbatível presença de Calos Pierin, o Lalá, como defensor do time de Santos.

Essa partida ficou na memória de muitos torcedores, fanáticos de futebol, e, inclusive, dos próprios jogadores como Lalá, que contou no documentário Ninguém é campeão sozinho (Fraga Films, Primeiro Olho Filmes e Décimoitavo Produções) sobre essa partida e outros momentos de sua vida profissional.

Agora, ele também contará, nesta entrevista exclusiva completa para o Folk, sobre sua carreira, o documentário e muito mais.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-lo no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Como foi para você ver sua história e a épica partida entre Santos e Botafogo serem retratadas no filme Ninguém é campeão sozinho?
Carlos Pierin “Lalá”: Foi um dos momentos mais felizes e de maior realização, porque o filme vai permanecer além da minha vida.
Sobre a partida, lembro que foi uma tarde esplendorosa, de onde vínhamos com grandes vitórias, mas o mais cobiçado troféu seria o Teresa Herrera.
Na disputa, tinham sete jogadores da Seleção Brasileira, campeã da Copa de 1958.
O público espanhol ficou em pé aplaudindo até terminar o espetáculo.
Victor Hugo Cavalcante: Quais momentos do filme mais capturam a essência do que foi jogar naquela partida histórica contra o Botafogo em 21 de junho de 1959?
Eu viajei com o Santos ainda sem contrato.
Era praticamente um teste de avaliação, embora nos treinamentos eu já demonstrasse o porquê havia vindo a Santos.
Cada jogo foi um teste e esse em La Coruña foi a cereja do bolo da excursão.
Então, evidentemente, ao contar essa passagem, o filme me faz relembrar a realização do sonho de jogar na melhor equipe do mundo.
Victor Hugo Cavalcante: O filme ainda conta com participações de José Macia (Pepe), Davi Pierin (interpretando sua versão infantil) e Gustavo Casanova (interpretando sua versão jovem), que encenaram alguns fatos narrados. Como foi a experiência de trabalhar com esses atores?
Mais do que atores, o Pepe e o meu neto Davi fazem parte da minha vida.
O Pepe, porque é um ídolo e um dos maiores protagonistas da história do clube, e o meu neto Davi, porque não apenas representou a minha infância e meus sonhos de moleque como também significa o meu legado como avô e ser humano.
O Casanova é um atleta em ascensão, formado pelo Santos e que capturou todo meu sentimento como um jovem aplicado e cheio de ambições.
Victor Hugo Cavalcante: Você acha que o filme capturou bem a atmosfera e os desafios da época em que você jogava no Santos?
Trata-se de um documentário, com fotos, vídeos e conquistas da minha carreira.
Durante as filmagens, eu fiquei bastante emocionado, pois prestes a completar 90 anos, falar sobre os feitos de mais de meio século atrás traz em si um sentimento de alegria e de luta.
Acredito que a equipe de produção soube capturar isso com muita maestria.
Victor Hugo Cavalcante: Como você acha que o filme pode inspirar as novas gerações de jogadores de futebol?
Essa história pode incentivar a juventude e aqueles que sonham em jogar futebol, porque eu não apenas realizei o meu sonho profissional, como também construí minha vida na cidade de Santos.
Aqui fiz família, tirei o meu sustento e aprendi a amar a cidade.
Victor Hugo Cavalcante: Qual foi a sensação de ser convocado para a primeira viagem internacional do Santos, pouco depois de ter chegado ao clube?
Foi inacreditável para mim.
Chegar à cidade e algumas semanas depois embarcar com um time de campeões mundiais, respeitado no Brasil, mas ainda pouco conhecido em algumas cidades europeias.
Era a primeira excursão do Santos ao Velho Continente e tudo aconteceu num ritmo frenético, pois jogamos dia sim e dia não durante um mês e meio.
Victor Hugo Cavalcante: Quais foram os momentos mais memoráveis das suas conquistas internacionais, como a Copa Valência e a Taça Teresa Herrera?
Os momentos mais memoráveis estão relacionados ao comportamento das torcidas.
Não jogávamos em casa, mas mesmo assim a torcida não estava contra a gente.
Eles admiravam o nosso futebol, lotavam os estádios e torciam entusiasmados.
Victor Hugo Cavalcante: O que você considera como o maior legado que você deixou para o futebol, tanto no Brasil quanto no México?
No México porque fiz parte de uma geração de jogadores brasileiros que abriu as portas para o mercado nacional.
Os mexicanos passaram a admirar muito o nosso futebol, então fomos contratados a peso de ouro e respondíamos a isso com belas atuações e títulos.
Lá fui campeão mexicano e campeão dos campeões.
No Brasil, meu maior legado foi ser bicampeão paulista pelo Santos, além dos títulos internacionais.
Quem jogou com Zito, Dorval, Mengalvio, Coutinho, Pelé e Pepe jamais será esquecido.
Jogando pelo Paulista de Jundiaí, eu alcancei o feito inédito de jogar 27 partidas invictos.
Victor Hugo Cavalcante: Como foi a transição do futebol brasileiro para o futebol mexicano quando você se juntou ao Atlas do México?
A adaptação foi excelente, uma vez que o México é um país latino-americano, com um povo acolhedor e um futebol alegre.
Lá no Atlas joguei com outros brasileiros, então praticamente me sentia em casa, tanto que mantive amigos e continuei curtindo a cultura mexicana, na sua culinária apimentada, além dos seus boleros e grandes produções artísticas.
Victor Hugo Cavalcante: Qual foi o impacto de jogar ao lado de grandes nomes como Pelé, Pepe e Zito na sua evolução como goleiro?
Nos treinamentos, jogava pelo time reserva, afinal, boa parte do tempo que permaneci no Santos, o goleiro titular era o Laércio.
Mas treinar no time reserva me desenvolveu muito mais, porque quando a defesa não parava, o ataque era mágico.
Era em cima de mim que Coutinho, Pelé e Pepe queriam decidir o treino, e eu não deixava barato.
Vendia muito caro o treino deles.
Eles também gostavam de ficar após o treino batendo faltas e pênaltis.
E foi assim que eu me tornei um especialista na defesa de penalidades e faltas.
Victor Hugo Cavalcante: Como você compara os desafios e as exigências que enfrentou como goleiro profissional em sua época com os que os goleiros da atualidade enfrentam?
Hoje, os goleiros têm estatura maior.
Eu seria um goleiro baixo para os padrões atuais.
Em compensação, os goleiros atuais possuem treinamento específico, equipamentos superiores e jogam em gramados de qualidade.
Nesse sentido, a gente precisa superar todas as adversidades para enfrentar a profissão.