Créditos: Elisa Maciel
Tudo ecoa de forma potente e expansiva nas escadarias do Edifício Marquês de São Vicente, número 256, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro, onde o cantor, compositor e multi-instrumentista Zé Ibarra passou a infância, fazendo “concertos de latas de tinta” aos quatro anos, e a adolescência, descobrindo a música.
Ligado a essa percepção, até então primária e particular, o artista lançou, no dia 25 de maio (quinta-feira), um projeto retomando justamente a sonoridade que conheceu naquele espaço, com músicas gravadas apenas com voz e violão entre os degraus do edifício.
Lançado pelo selo Coala Records, Marquês, 256. tem oito faixas disponíveis nas plataformas de streaming de áudio e se desdobra em material audiovisual no YouTube.
Prólogo do primeiro disco-solo em estúdio de Ibarra, previsto para o início de 2024, o projeto é feito de material fonográfico e visual de versões mais orgânicas de canções que marcaram a vida pessoal e a carreira dele.
Parte delas deu corpo às lives apresentadas pelo artista durante a pandemia de Covid-19, e reproduzidas da área comum do prédio.
As memórias de quando era criança, a visitação a um repertório que representasse o retrato de diferentes épocas do próprio amadurecimento e a vontade de registrar a aura do prédio, a que chama de “um objeto fantástico”, foram guias para que Zé Ibarra contemplasse o projeto da forma que ele é.
“O prédio virou um objeto fantástico na minha vida. Sabe aquele lugar em que você conhece cada milímetro e é apaixonado por cada milímetro? Sei cada portinha, cada escada, cada planta”, explica Zé Ibarra.
“Até hoje, quando me apaixono por uma canção e quero cantá-la, é para lá que volto, para ouvir o som que reverbera naqueles corredores. É quase como extensão do meu corpo, faz parte de mim. Parece engraçado dizer algo assim, mas, na verdade, é uma sorte que dei. Talvez se não tivesse tido contato com uma acústica maravilhosa desde pequeno, não teria entendido que música é das coisas mais sensíveis e milagrosas que há”, completa ele.
A voz de Zé Ibarra, marcadamente uma das mais importantes de sua geração na música, aparece em primeiríssimo plano em Marquês, 256.
A partir dela, ele se permite resgatar a figura de cantautores brasileiros, como Milton Nascimento, Gilberto Gil, João Bosco e Caetano Veloso, para deixar o violão como “de quem se acompanha”.
“Ele é quase um respaldo ocasional para a voz. O tema do projeto é esse: a voz e a canção, como tantos outros já fizeram; esse é um lugar muito bonito e quase de afeto dentro da música popular brasileira, e quis contribuir com isso como pude, porque vejo um poder muito grande aí”, aponta o artista.
Na escolha das faixas para o projeto, Zé Ibarra também revistou histórias de encontros e inspirações musicais, veio daí, por exemplo, a inclusão de San Vicente, composição de Milton Nascimento e Fernando Brant, na tracklist.
“Essa sempre foi a minha predileta do Clube da Esquina, desde quando descobri o álbum, aos 11 anos. Tem uma solenidade na melodia, uma beleza no arranjo que sempre, toda vez que ouço, me emocionam”, explica ele.
Após ter saído em turnê com Milton e de ter apresentado a ele um áudio com a música gravada despretensiosamente nas escadarias do prédio, Zé Ibarra a vê como uma “instituição” que se constrói dentro de si.
“Não podia deixar de colocar ela no disco. E ela agora vai sair de um áudio na escada para ser entregue ao mundo”, analisa.
Entre as regravações, estão Vou-me embora, canção de Paulo Diniz em parceria com Roberto José; Dó a dó, uma composição de amor, no piano, de Dora Morelenbaum e Tom Veloso; Hello, em que a letra de Sophia Chablau se apoia na metalinguagem para brincar com palavras em inglês e em português; Olho d’água, de Waly Salomão e Caetano Veloso, registrada por Maria Bethânia e Vai atrás da vida que ela te espera, de Guilherme Lamounier e gravada por Zé Ibarra anteriormente.
O projeto ainda inclui a inédita Como eu queria voltar, escrita pelo artista ao lado de Tom Veloso e Lucas Nunes, e Itamonte, mais uma autoral do cantor.
A profundidade do projeto também está na estética do conteúdo audiovisual.
Criado pela produtora Cosmo, o vídeo de pouco mais de 20 minutos alinhava as músicas passando pelos detalhes do prédio, o hall de entrada, o elevador em movimento, e as sombras e luzes incidentes no espaço, mostrando Zé Ibarra convidando o público a assistir a um cenário cotidiano e, ao mesmo tempo, recriado com a interferência da arte.
“O prédio é vivo e direto. Muitas vezes, quando começava a tocar, os moradores do prédio abriam suas portas ou até mesmo subiam uns degraus para acompanhar o som. Só aí já tem um quê de ‘chega mais’, que amo, ainda mais nesse mundo de espaços tão delimitados. Então, no vídeo, quis olhar para a câmera quase como um convite, do tipo: ‘Venha aqui’, ‘Chega mais perto’”, diz o cantor.