João Batista Maia da Silva, mais conhecido como João Maia, renomado fotógrafo cego e conselheiro da Fundação Dorina Nowill para Cegos, estará presente nas Paralimpíadas de Paris 2024, trazendo sua visão única para a cobertura dos jogos.
Ex-cliente da Fundação, João descobriu na fotografia um novo caminho após perder a visão, reinventando-se profissionalmente e tornando-se uma referência no campo.
Sua trajetória na fotografia paralímpica começou em 2016, quando foi o primeiro fotógrafo cego convidado para cobrir uma edição dos jogos, no Rio de Janeiro.
Com sua sensibilidade apurada, ele repetiu o feito em Tóquio 2020, capturando momentos únicos dos atletas paralímpicos.
Agora, em Paris, João Maia está preparado para mais uma vez mostrar sua arte, destacando a resiliência e a determinação dos atletas, características que ele também carrega em sua jornada.
Acompanhe essa entrevista exclusiva e mergulhe no universo de um dos mais notáveis fotógrafos paralímpicos do mundo.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro é um prazer recebê-lo no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Como é capturar a essência do movimento e da emoção através das lentes, sem enxergar as cenas que você está fotografando? Qual é o segredo para transformar seus outros sentidos em uma visão tão poderosa?
João Maia: O conceito do meu trabalho de ‘fotografia cega’ vai muito além da visão propriamente dita, enxergo com a alma e com o coração, utilizando todos os meus sentidos e, principalmente, minha sensibilidade e emoção.
Então, eu, como uma pessoa com deficiência visual, transformo sensações, como o grito de um atleta ao passar a linha de chegada, o tocar da sapatilha deste atleta na pista de atletismo, as palmas, os gritos da torcida, ou o choro de quem quebra um recorde, em imagens eternizadas na minha fotografia.
Victor Hugo Cavalcante: O que significa para você ter suas fotografias expostas em Paris, uma das capitais mundiais da arte, e ainda mais com a chancela oficial dos Jogos de Paris 2024 e como essa conquista ressoa com o jovem que começou a fotografar na zona rural do Piauí?
A minha sensação é de representatividade de todas as pessoas com deficiência, não só do Brasil, mas do mundo, por ser o único fotógrafo com deficiência visual no mundo a cobrir a Paralimpíadas.
Me sinto ainda mais feliz por levar minha obra a uma capital cultural, berço de tantos nomes e tanta história.
Somado a isso, o local da exposição é repleto de simbologias, já que é uma referência no mundo.
Neste local, Louis Braille estudou e criou o braille, e além de tudo é uma cidade cultural.
Junto a toda emoção do local, me sinto reconhecido por receber o selo cultural das Paralimpíadas de Paris 2024.
É extremamente gratificante, como fotógrafo cego brasileiro, ver minhas imagens expostas em Paris com acessibilidade.
Isso não só honra meu trabalho, mas também leva a questão da inclusão para além das fronteiras, impactando tanto os parisienses quanto os brasileiros e o mundo.
Acredito que a fotografia deve ser acessível a todos, e é um orgulho ver que meu trabalho contribui para essa causa.
Victor Hugo Cavalcante: A exposição 4 Sentidos, 1 Visão promove uma interação única entre o público e o esporte paralímpico. Como suas fotografias podem ajudar a quebrar barreiras e transformar a percepção das pessoas sobre a deficiência?
Transformar a percepção sobre a deficiência é essencial, e a fotografia tem um papel crucial nisso.
É fundamental que pessoas com deficiência sejam representadas nas mídias e os Jogos Paralímpicos tenham visibilidade ampla.
A exposição dessas histórias inspira não só crianças, mas também jovens, adultos e idosos a praticar atividades físicas.
A Fundação Dorina Nowill para Cegos, há 78 anos, investe no esporte justamente por acreditar em seu poder de transformação na vida das pessoas com deficiência.
Victor Hugo Cavalcante: Desde suas primeiras fotografias na Escola Técnica Agrícola até ser o primeiro fotógrafo cego a cobrir os Jogos Paralímpicos, qual momento mais marcou sua trajetória e por quê?
O momento mais marcante da minha trajetória foi, sem dúvida, a cobertura das Paralimpíadas do Rio em 2016.
Foi ali que minha história, a de um fotógrafo cego cobrindo eventos paralímpicos, ganhou visibilidade mundial.
Até então, eu atuava principalmente no Brasil, mas esse evento me projetou internacionalmente, tornando-se um marco inesquecível na minha carreira.
Victor Hugo Cavalcante: O que você deseja que as pessoas sintam ou compreendam ao ver suas fotografias, especialmente aquelas expostas na 4 Sentidos, 1 Visão? Existe uma mensagem poderosa que você tenta transmitir com cada imagem?
Quero que, ao visitarem minhas exposições, as pessoas se emocionem e sintam alegria, mas, acima de tudo, que elas reavaliem como enxergam a deficiência.
Meu objetivo é romper com a visão de pena ou piedade e destacar o valor e a capacidade das pessoas com deficiência.
Nas minhas fotos, não há histórias de superação, há atletas de alto rendimento que já conquistaram suas metas.
Quero que o público veja essas pessoas como verdadeiros atletas, reconhecendo que, no fundo, somos todos iguais.
Victor Hugo Cavalcante: Seus outros sentidos desempenham um papel crucial em sua fotografia. Como você utiliza essas percepções para capturar o momento e a emoção do ambiente ao seu redor?
Eu faço pleno uso dos meus outros sentidos na fotografia.
Quando perdi a visão, aprendi a explorar ao máximo a audição, o tato e até mesmo o olfato.
Esses sentidos me permitem capturar a essência de cada momento de uma forma única.
Transformo sons e sensações em imagens, resultando em uma fotografia carregada de sensibilidade e emoção, refletindo as minhas percepções mais profundas do ambiente ao redor.
Victor Hugo Cavalcante: A exposição 4 Sentidos, 1 Visão já foi exibida em diversos lugares, incluindo a Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Como tem sido a reação dos alunos e da comunidade acadêmica às suas obras?
Expor minhas obras em uma universidade tão renomada como a Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne foi uma experiência transformadora.
Muitos dos alunos, que talvez nunca tivessem tido contato com uma pessoa com deficiência, foram confrontados com uma nova realidade por meio das minhas imagens.
Essa exposição não só ajudou a quebrar barreiras de inclusão, mas também desafiou preconceitos e o capacitismo, levando os alunos a repensarem sua percepção sobre a deficiência.
A universidade, como um espaço de saber e inclusão, proporcionou um ambiente onde todos, tanto eu quanto os estudantes, pudemos aprender e crescer.
Foi uma oportunidade de unir mundos diferentes e promover um entendimento mais profundo do outro.
Victor Hugo Cavalcante: A colaboração com a jornalista Luciane Tonon foi fundamental para o desenvolvimento do projeto 4 Sentidos, 1 Visão. Como essa parceria moldou o projeto e o que ela trouxe de único para o seu trabalho?
A parceria com a Dr.ᵃ Luciane Tonon foi fundamental para o projeto 4 Sentidos, 1 Visão, especialmente em minha terceira participação nas Paralimpíadas, agora em Paris 2024.
A Dr.ᵃ Luciane é uma referência no esporte paralímpico no Brasil, com uma carreira acadêmica notável, incluindo um pós-doutorado na área.
Sua expertise trouxe uma profundidade única ao projeto, reforçando a importância da inclusão e acessibilidade.
Com o apoio da Fundação Dorina Nowill para Cegos, estamos levando a experiência paralímpica a um novo nível, oferecendo audiodescrição para jogos e imagens, além de transmissões acessíveis.
Essa colaboração não só enriquece o projeto, mas também garante que as pessoas com deficiência visual no Brasil possam vivenciar plenamente os Jogos Paralímpicos.
Victor Hugo Cavalcante: Com a exposição em Paris sendo um marco em sua carreira, como você vê a recepção do público francês e o impacto que sua obra pode ter na conscientização global sobre inclusão e diversidade?
A recepção da minha obra em Paris é uma oportunidade poderosa para discutir a inclusão e diversidade em uma escala global.
Mesmo em países de primeiro mundo, pessoas com deficiência muitas vezes permanecem invisíveis ou esquecidas pela sociedade.
Ao trazer à tona o trabalho de um fotógrafo cego, questiono o lugar que a sociedade reserva para as pessoas com deficiência.
A verdade é que o lugar delas é onde quiserem estar, e a profissão que devem seguir é aquela que escolherem.
Cobrir uma Paralimpíada como fotógrafo cego não é apenas um marco na minha carreira, mas uma mensagem de que todos podem sonhar e alcançar o que desejam.
A fotografia aqui serve para promover uma reflexão profunda sobre como queremos tratar as pessoas com deficiência: com respeito e oferecendo oportunidades.
Minha trajetória é um exemplo disso, e espero que inspire muitos a acreditarem que o impossível é, na verdade, uma questão de perspectiva.
Victor Hugo Cavalcante: Depois dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, quais são seus próximos passos? Já tem planos para novas exposições ou projetos fotográficos que queira compartilhar conosco?
Após os Jogos Paralímpicos de Paris 2024, tenho muitos projetos em andamento que prometem dar continuidade ao impacto da minha trajetória.
Posso garantir que minha participação em Paris não passará despercebida.
Haverá novas oportunidades, entrevistas e, claro, grandes novidades que compartilharei com você e seu público.
Uma delas já está confirmada: uma grande exposição em São Paulo, no Unibes Cultural, reunindo meu trabalho das Paralimpíadas do Rio 2016, Tóquio 2020 e Paris 2024.
Será uma exposição imperdível, que celebra a evolução da fotografia cega ao longo dos anos.
Fiquem atentos, porque vem muita coisa boa por aí.
Viva a fotografia!