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Entrevista: Dani Sandrini apresenta Terra Terreno Território

Conversamos com a fotógrafa sobre o projeto fotográfico que explora a presença e vivência dos povos indígenas na metrópole e resgata histórias esquecidas.

Foto da fotógrafa e entrevistada Dani Sandrini.

Dani Sandrini é uma fotógrafa, educadora e artista visual estabelecida em São Paulo, cuja jornada na fotografia comercial remonta a 1998.

Desde 2014, ela tem se dedicado a projetos que mesclam fotografia documental e imaginária com técnicas de impressão artesanais e experimentais.

Explorando o entrelaçamento de materiais e suportes com suas imagens fotográficas, Dani investiga também a ação do tempo sobre elas.

Seu processo criativo é multifacetado: algumas vezes, suas fotografias são capturadas digitalmente e impressas em papel ou telas, enquanto em outros projetos, ela incorpora elementos adicionais que agregam significado e camadas extras de subjetividade.

Com expertise em processos fotográficos artesanais, Dani utiliza técnicas como transferprint, pinhole, cianotipia, antotipia e fitotipia em seus trabalhos.

Um dos seus projetos mais recentes, Terra Terreno Território, documenta os povos indígenas do século XXI.

As imagens, capturadas digitalmente em São Paulo, são impressas em folhas de plantas e pigmentadas com extratos naturais de jenipapo.

A exposição deste projeto tem percorrido diversas cidades, tanto no Brasil (São Paulo, Itapetininga, Campinas, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Amparo, Olinda, Chapecó) quanto internacionalmente (Colômbia, França, Portugal e Índia).

Dani Sandrini compartilha um pouco sobre sua inspiração e experiências por trás desse projeto e muito mais.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer poder recebê-la no Folk, e gostaria de começar perguntando: Como foi sua trajetória desde o início da fotografia comercial em 1998 até o desenvolvimento dos projetos que mesclam fotografia documental/imaginária com impressões artesanais ou experimentais?

Dani Sandrini: É um prazer estar aqui com vocês também!

Eu começo a fotografar quando me encanto com os detalhes das coisas, com os ângulos, com a sincronicidade entre os elementos que estavam diante de mim.

Mas isso era o que eu fazia para mim, ainda de forma mais solta, menos como projeto mesmo.

Comercialmente, naquele início, tudo era um desafio e eu gostava disso, então passei anos fazendo retratos em estúdio, festas infantis e de casamento, fotos de decoração, fotos editoriais.

E fui mudando e experimentando ao longo dos anos.

Mas, com o tempo fui me deparando com assuntos pelos quais eu me interessava e mergulhando neles, e aí comecei a desenvolver meus projetos autorais documentais, mas sempre trazendo um tanto da subjetividade nesse processo.

Paralelamente a isso, sempre gostei do fazer manual e entendi que às vezes o papel ou a tela não são suficientes para expressar aquilo que eu desejo nas fotografias, e daí minhas experimentações com outros suportes iniciaram.

Victor Hugo Cavalcante: Em seus projetos que envolvem o entrelaçamento de materiais e suportes com as imagens fotográficas, como você decide quais elementos acrescentar para agregar significado à imagem final?

Isso depende de cada projeto.

Por exemplo, em 2007 eu fotografei um ritual pré-casamento num pequeno vilarejo na Jordânia e passei anos tentando dar uma forma para apresentação dessas imagens.

Colocava nas paredes do ateliê em papéis pequenos, grandes, com ou sem moldura e não achava um formato satisfatório.

Anos depois, depois de muitas paredes e reflexões, entendi que o suporte desse trabalho não era o papel, e sim a madeira, porque tinha a ver com o que eu estava dizendo ali.

Então eu não acho que usar um suporte alternativo seja por si só interessante.

Acho que ele tem que ter um porquê, e dialogar com o que a imagem e o que o projeto todo quer dizer.

Victor Hugo Cavalcante: Poderia compartilhar conosco um exemplo específico de como um dos processos fotográficos artesanais que domina, como a cianotipia ou a antotipia, influenciou significativamente o resultado de um de seus projetos?

Uma das técnicas usadas no projeto Terra Terreno Território é a antotipia: eu utilizo o pigmento do jenipapo que é o mesmo utilizado para pintura corporal indígena.

Fiz também um projeto numa antiga fábrica em Itu que tinha paredes rosadas e alaranjadas, bem rústicas, e eu fotografei esse espaço e imprimi num tom que lembrava essas paredes, e numa textura também, meio arenosa.

E era uma impressão em antotipia também.

Parecia que os quadros tinham uma vida ali com aquela textura e os materiais usados.

Quando mudei para o meu bairro comecei a observar as plantinhas dos canteiros e comecei a coletar essas plantas, extrai os pigmentos delas e imprimir suas formas.

Enfim, é um jeito de eu me conectar com o que está ao meu redor.

Victor Hugo Cavalcante: Como foi o processo criativo por trás da exposição Terra Terreno Território e o que o inspirou a explorar a vivência dos povos indígenas no contexto urbano do século XXI?

Houve uma junção de fatores.

Por um lado, eu estava pesquisando sobre a passagem do tempo e sobre esses processos de impressão impermanentes.

Por outro, vinha acompanhando e me solidarizando com a batalha eterna dos povos originários para terem reconhecimento e seus direitos garantidos.

Foi quando me deparei com uma informação do Censo de 2010 (que era o mais recente na época) de que São Paulo era o quarto maior município em população indígena do país.

E aí comecei a pesquisar mais sobre os indígenas em São Paulo e a vivência em contexto urbano, além das aldeias, e aí surgiu o projeto.

Victor Hugo Cavalcante: As imagens da exposição Terra Terreno Território são impressas em folhas de plantas e com pigmento natural extraído do jenipapo. Como esses materiais adicionais contribuem para a narrativa visual e conceitual do projeto?

O pigmento do jenipapo foi escolhido porque é o pigmento que a maioria dos indígenas daqui usam para pintura corporal.

Então aprender como eles extraem o pigmento, testar as pequenas variações para ver o que funciona para a impressão e utilizá-lo com suas fibras e pinceladas conta uma história junto à imagem.

Em relação às folhas, além do meu gosto pela botânica, percebo como a mata está muito ligada à cultura indígena, porque ela se conecta aos ciclos naturais, e na cidade a gente foi perdendo muito essa relação com os ciclos, tantos os nossos quanto do que está ao redor.

E esses dois processos produzem imagens que vão se transformando com o tempo, fazendo um paralelo à cultura indígena que, como todas as outras, está em permanente transformação e não congelada no tempo de 520 anos atrás, como muitos livros de história parecem sugerir.

Nessas transformações tem os veios da planta que interagem com a imagem, tem as fibras, tem o desbotamento que a imagem sofrendo.

Tudo isso vai dialogando com a imagem fotográfica impressa ali.

Victor Hugo Cavalcante: Como você vê o papel da fotografia na representação e preservação da cultura indígena? Quais são os principais desafios éticos e práticos ao fotografar essas comunidades?

Eu acredito que muitos dos preconceitos surgem do desconhecimento e do distanciamento.

Não é à toa que o apagamento da cultura indígena ocorre, quanto menos se conhece, mais fácil é de não se afetar pelo que ocorre.

Nesse sentido, acho fundamental que os não-indígenas tenham conhecimento e contato com os povos originários, e a fotografia é um dos meios para isso.

No entanto, eu acho que a fotografia é sempre uma relação, e como relação, ela pode ser de diversas maneiras: próxima, distante, afetuosa, amistosa ou abusiva.

E infelizmente muita gente fotografa pessoas e suas culturas de forma muito desrespeitosa.

Eu sempre proponho aos meus alunos um exercício reverso: se alguém que você nunca viu na vida colocasse uma câmera apontada na sua cara, como você iria se sentir?

Ninguém se sente bem com isso, mas infelizmente num mundo onde tudo vira produto, muita gente esquece que pessoas não são produtos.

Portanto, acho fundamental que se passe um tempo com as pessoas e se estabeleça uma relação antes de tirar a câmera da bolsa.

E com o celular, tudo fica mais difícil ainda…

Victor Hugo Cavalcante: Além das exposições físicas, você também participou de eventos e festivais virtuais. Como você vê a interseção entre o mundo físico e o virtual na disseminação da arte fotográfica e na promoção de discussões sobre questões sociais e culturais?

O mundo virtual possibilita o diálogo com pessoas do outro lado do planeta e isso é maravilhoso.

A possibilidade de conhecer trabalhos que eu não conheceria de outra forma e vice-versa, ter diálogos com pessoas de outras regiões, isso tudo é incrível.

Mas o contato presencial… é outra coisa, né?

Pode conhecer as obras e as pessoas sem uma tela no meio é muito mais interessante como a experiência, o corpo, o cheiro, a presença mesmo.

Mas quando não é possível, o virtual ajuda bem.

Victor Hugo Cavalcante: Você também teve a oportunidade de compartilhar seu trabalho em diferentes países, como Colômbia, França, Portugal e Índia. Como foi a recepção do público internacional em relação ao seu projeto e à sua abordagem à cultura indígena brasileira?

A recepção tem sido bem interessante, o projeto convida a uma aproximação para ver e compreender as imagens, e nesse sentido as técnicas contribuem muito para esse convite à aproximação.

Naturalmente as pessoas fazem ligações com os elementos naturais e a transformação com o tempo, ao mesmo tempo que conseguem enxergar as pessoas e as situações para além do estereótipo.

É muito legal poder ajudar a desachatar o termo “indígena”, porque no geral existe mesmo aquele estereótipo no imaginário coletivo, né?

E a ideia é exatamente contribuir para o reconhecimento do indígena no coletivo, mas também em sua individualidade, na atualidade, vivendo onde quer que esteja.

Tenho bastante retorno em relação à surpresa sobre os indígenas em contexto urbano e sobre o reconhecimento da história e presença dos povos originários, em como a história foi apagada.

Se as pessoas reconhecem esse buraco na história que lhes foi contada, é um caminho para uma busca mais ativa de conhecimento.

O que eu mais escuto, tanto fora quanto no Brasil, é sobre a surpresa em relação à quantidade de indígenas vivendo na cidade de São Paulo com profissões diversas e em saber que em São Paulo existem aldeias indígenas.

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