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Entenda os riscos da nova lei de licenciamento ambiental

Projeto de Lei 2159/2021 que vem dividindo opiniões pode flexibilizar regras que hoje protegem biomas sensíveis e comunidades tradicionais.

Imagem ilustrativa de um malhete judiciário em cima de um gramado, simbolizando a área profissional exercida pelo Direito Ambiental.

Aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, o Projeto de Lei 2159/2021 propõe instituir uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil.

Defensores argumentam que a medida trará mais segurança jurídica e celeridade aos processos, enquanto críticos alertam para retrocessos na proteção ambiental e para o aumento de conflitos socioambientais.

Mas afinal, o que está em jogo e o que diz o PL 2159/2021?

O texto estabelece diretrizes nacionais para o licenciamento ambiental, buscando unificar normas que hoje variam entre estados e municípios. Entre os principais pontos estão:

  • • Tipificação das modalidades de licenciamento, como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Ambiental Única;
  • • Dispensa de licenciamento para atividades de baixo impacto, como manutenção de estradas e determinadas práticas agropecuárias;
  • • Prazos definidos para manifestação de órgãos como ICMBio, IPHAN e FUNAI — cujo silêncio pode ser interpretado como anuência;
  • • Transferência de responsabilidade ao empreendedor, via autodeclaração de veracidade.

“O projeto busca racionalizar e padronizar os procedimentos, o que pode beneficiar grandes empreendimentos que enfrentam hoje burocracias distintas em cada região”, afirma o advogado Diógenes Miguel Telles, membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-SC e pós-graduado em Direito Urbanístico e Ambiental.

Padronização nacional: benefício ou ameaça à autonomia federativa?

Um dos aspectos mais polêmicos é a retirada de autonomia dos entes federativos para legislar de forma mais restritiva.

Para Diógenes Telles, “a padronização pode ser útil para o setor produtivo, mas deve respeitar a diversidade ambiental e cultural do país. O risco é comprometer a efetividade da proteção em biomas sensíveis, como Amazônia, Pantanal e Cerrado”.

Segundo ele, a Constituição assegura que estados e municípios legislem suplementarmente em matéria ambiental, e o PL pode conflitar com esse princípio ao impor uma base mínima, que, na prática, pode virar teto.

Modernização ou retrocesso?

Embora o projeto contenha inovações procedimentais, especialistas apontam que ele enfraquece pilares do Direito Ambiental moderno.

“A proposta tem cara de modernização, mas o conteúdo representa um retrocesso perigoso”, diz Telles.

“Ao permitir que empreendimentos sejam licenciados somente com autodeclarações e ao impor prazos curtos para órgãos técnicos, há um esvaziamento do controle preventivo e da análise técnica qualificada.”

O PL também flexibiliza a exigência de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), centralizando decisões em critérios genéricos e removendo a exigência em alguns casos com potencial impacto acumulativo.

O apelido “PL da Devastação” é justificado?

A alcunha ganhou força entre ambientalistas, e há justificativas jurídicas já que o texto permite, por exemplo:

  • Licenciamento automático por autodeclaração (LAC);
  • • Silêncio positivo de órgãos ambientais e indigenistas;
  • • Dispensa de licenciamento para obras urbanas em áreas com plano diretor;
  • • Invisibilização do princípio da precaução, uma das bases do Direito Ambiental internacional.

“A lógica do ‘depois se vê’ pode causar danos irreversíveis ao meio ambiente e à saúde da população”, alerta Telles.

“O licenciamento é um instrumento de antecipação, não de correção.”

Riscos para comunidades tradicionais e povos indígenas

O projeto impõe prazos limitados para a manifestação de órgãos como a FUNAI e omite a obrigatoriedade de consulta prévia, livre e informada, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT.

“Há grave risco de violação de direitos indígenas e quilombolas. O texto enfraquece as garantias constitucionais do artigo 231 e compromete a jurisprudência do STF, que já reconheceu a obrigatoriedade da consulta”, diz Telles.

Impactos para setores econômicos e o meio ambiente

Agronegócio, mineração, infraestrutura e energia estão entre os setores que mais se beneficiarão com a nova lei — caso seja aprovada.

A dispensa de licenças para certas atividades rurais e obras em zonas urbanas pode acelerar investimentos. Mas isso tem um preço.

“O incentivo à autodeclaração e à dispensa de EIA/RIMA reduz a previsibilidade ambiental e jurídica. Isso pode gerar mais judicializações, ações civis públicas e embargos judiciais no futuro, criando insegurança inclusive para o próprio investidor”, pontua Telles.

Violaria compromissos internacionais?

O Brasil assumiu metas climáticas no Acordo de Paris e compromissos com a proteção da biodiversidade.

A nova lei, ao facilitar o desmatamento legalizado e omitir os impactos cumulativos, pode comprometer essas metas.

“Estamos diante de um risco real de sanções comerciais e de desgaste na diplomacia ambiental brasileira”, avalia Telles.

E o que a população pode fazer?

O impacto da nova legislação é direto na vida dos cidadãos: qualidade da água, ar, aumento de enchentes, calor extremo, ruído urbano e desmatamento.

“A população pode e deve pressionar os senadores, participar de audiências públicas e apoiar ONGs e entidades que atuam com o tema”, incentiva Telles.

Ele também recomenda acompanhar as possíveis ações no STF.

Caso o PL seja sancionado na forma atual, é possível contestá-lo via Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).

O PL 2159/2021 revisita o dilema entre agilidade e proteção.

Para os defensores, representa um avanço, já para especialistas e ambientalistas, o projeto pode abrir as portas para uma devastação legalizada.

O debate agora segue no Senado, e a sociedade civil terá papel crucial na construção do futuro ambiental do país.

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