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Camila Anllelini fala de amor, outros ódios e literatura

Em entrevista exclusiva, a escritora falou sobre a escrita e as contradições humanas narradas no livro De Amor e Outros Ódios, semifinalista do Jabuti 2024.

Foto da escritora entrevistada.

O livro De Amor e Outros Ódios (foto abaixo) faz um mergulho profundo na complexidade das relações entre mãe e filha, narrado por meio de crônicas e cartas de uma personagem que reflete as experiências da autora formada em psicanálise Camila Anllelini.

Com uma linguagem poética e visceral, a Camila Anllelini explora os sentimentos de amor e ódio que permeiam os laços maternos, além de abordar questões como autodescoberta, ressignificação e o peso das narrativas familiares em nossa formação.

E nesta entrevista exclusiva, nós conversamos com Camila sobre o livro e muito mais.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, agradecemos por nos conceder essa entrevista e gostaríamos de perguntar: O livro De Amor e Outros Ódios explora a complexa relação entre mãe e filha com uma narrativa que mistura crônicas e cartas. Como foi o processo de transformar os recortes de suas próprias experiências em literatura?

Camila Anllelini: Eu acredito que toda literatura é autobiográfica e ficcional na mesma medida, é uma espécie de dentro e fora, isso e aquilo.

Entender que a memória, por si só, é uma ficção, foi fundamental para que pudesse escrever esse livro.

Eu escrevo a partir dos restos, do que posso elaborar, daquilo que me acontece, a experiência é outra coisa, da ordem do indizível.

É impossível narrar uma experiência tal qual aconteceu, o que se conta já é uma história.

A história é a significação individual que conferimos aos fatos.

Victor Hugo Cavalcante: O título De Amor e Outros Ódios já sugere uma dualidade de sentimentos. Como você equilibrou essa ambivalência na construção da personagem e na relação dela com a mãe?

Uma das minhas preocupações era encontrar uma voz para a personagem que fosse honesta e, por isso, às vezes dura, porém sem perder o afeto.

Abraçar a ambivalência de amor e ódio foi crucial no processo, a gente só pode odiar a quem também temos amor, um está contido no outro.

Por qual razão dispenderíamos tamanha energia pulsional a alguém por quem não somos profundamente tocados?

Freud ensina que o contrário do amor é a indiferença, eu estou com ele.

Victor Hugo Cavalcante: Você tem formação em psicanálise e passou por diferentes áreas antes de se dedicar à escrita. Como essas experiências influenciaram sua forma de contar histórias?

O ser humano é um emaranhado de gentes, lugares e conhecimentos.

Tudo aquilo que nos interessa, de certa forma, deixa uma pegada que conduz o caminho.

Acredito que sempre se soma o que foi anteriormente aprendido aos novos saberes.

O meu caminho tem muitas voltas, muitas coisas me interessam, mas em todas há uma convergência para o inconsciente e a palavra.

A psicanálise tem forte influência na minha escrita literária e a literatura tem forte influência na minha clínica.

Ambas forjam também quem eu sou como pessoa.

Victor Hugo Cavalcante: A escrita literária e a psicanálise lidam, de formas diferentes, com o inconsciente e as emoções humanas. Como você percebe a interseção entre essas duas áreas no seu trabalho?

A psicanálise, assim como a arte, é um processo de criação do que antes não estava dado.

Cada uma com seu rigor e sua ética, mas certamente são campos dialógicos.

A psicanálise nasce do resgate do mito de Édipo Rei, as referências literárias sempre foram de grande valia para Freud.

Mais do que apreço, ele toma a literatura como uma bússola em todo seu percurso, debruçando-se majoritariamente sobre as obras de Goethe e Shakespeare em sua construção teórica e clínica.

O inconsciente está na ponta da língua e, às vezes, na ponta do lápis.

A diferença é que, depois do jorro inicial, a escrita me permite reorganizar os equívocos e as repetições, a técnica serve para reescrever o que nasce de forma espontânea.

Victor Hugo Cavalcante: De Amor e Outros Ódios traz uma visão muito sensível sobre as contradições humanas. Você acredita que seu olhar como psicanalista ajudou a aprofundar a construção dos personagens e das emoções narradas?

Sim, acredito que ajudou.

A escuta psicanalítica é uma posição de conferir dignidade às contradições, daquilo que o sujeito padece e acredita que seja à sua revelia, mas descobre que ali também tem a sua participação.

Não se trata de culpa, mas de responsabilidade com a própria vida.

As personagens desse livro apontam para essas contradições sem culpabilização, as coisas são como são, cabe a nós fazermos a pergunta do que podemos ser a partir disso que nos acontece.

A psicanálise me ajuda a fazer perguntas e a olhar com mais interesse pelas frestas do que pela superfície.

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