Vicente Humberto Lôbo Cruz, natural de Uberaba, Minas Gerais, já residiu em diversas cidades brasileiras, como Goiânia, Pires do Rio, Ipameri, Inhumas, São Paulo, Ouro Preto, Belo Horizonte, Ituiutaba e Rio de Janeiro.
Atualmente, vive entre Araxá–MG e Catalão–GO.
Poeta, formou-se em Engenharia de Minas pela UFMG e em Letras pela UFG.
Sua estreia literária aconteceu em 1983, com o livro Folhas Levadas.
Publicou também Perpendiculares (Editora Arte Pau Brasil, 1986), Abacates no Caixote (Ficções Editora, 2020) e Borboletas no Repolho (Editora Ficções, 2021).
Além de livros, Vicente também lançou álbuns de música com seus poemas, disponíveis em plataformas de streaming como Spotify e Deezer.
Para Vicente, escrever poesia é um processo visceral, de entrega total ao poema, que começou ainda na infância e cada livro que escreve reflete uma fase de sua vida.
Essa continuidade é visível, por exemplo, em seu hábito de incluir nos poemas de um livro o embrião do próximo.
O título do seu novo livro, Caixa de Vazios, por exemplo, surgiu de um verso de Borboletas no Repolho.
E é justamente desse livro e de suas poesias que habitam o silêncio que o escritor conversa conosco nesta entrevista exclusiva.
Victor Hugo Cavalcante: Vivemos tempos cheios de ruídos e distrações, mas também marcados por muitos vazios. Como você enxerga o papel do poeta diante dessa “caixa de vazios” que é o mundo contemporâneo?
Vicente Humberto: O poeta, hoje mais do que nunca, é um ouvinte do que não se diz.
Em meio ao excesso de palavras vazias, o poeta escuta o que falta, o que ficou entre as frases, o que foi silenciado.
A “caixa de vazios” do mundo contemporâneo não me assusta — ela me interessa.
É ali que mora o que precisa ser nomeado com delicadeza.
O papel do poeta é habitar o intervalo, o respiro, a fresta.
Enquanto o mundo fala alto, a poesia sussurra o essencial.
Victor Hugo Cavalcante: Desde sua estreia com Folhas Levadas, em 1983, até o lançamento de Caixa de Vazios, sua obra passou por transformações visíveis. O que permanece como essência na sua escrita ao longo dessas quatro décadas?
O que permanece é a busca por uma linguagem que escute a vida.
Sempre escrevi tentando traduzir o que pulsa em silêncio.
Mesmo que a forma mude, que os temas amadureçam ou se expandam, há uma fidelidade à escuta sensível.
Continuo escrevendo como quem apalpa o escuro — com cuidado, com espanto.
E continuo acreditando que a poesia é uma forma de tocar o outro sem o invadir.
Victor Hugo Cavalcante: O poema da página 68 de Caixa de Vazios joga com as palavras e seus sons para construir uma espécie de desmoronamento poético. Como surgiu esse jogo de sentidos e fonemas? Você o escreveu de uma só vez ou foi lapidando aos poucos?
Aquele poema foi um desmoronamento que aconteceu devagar.
Ele veio como um sopro, mas ficou me rondando.
O jogo de fonemas — “ais”, “cais”, “caos” — nasceu da tentativa de nomear um colapso interno. Não foi escrito de uma só vez.
Fui lapidando como quem arruma uma mala para o abismo: tirando excesso, ajustando o peso das palavras. Era preciso que o som também revelasse a queda.
Victor Hugo Cavalcante: Ainda sobre o poema mencionado anteriormente, termos como “ais”, “cais” e “caos” se entrelaçam na mesma estrutura, revelando muito do que é estar humano. Esse poema seria, para você, uma espécie de autorretrato emocional e existencial?
Sim, é um autorretrato que não se olha no espelho, mas no abismo.
Aquelas palavras me espelham em momentos de desamparo e lucidez.
São sons que me atravessam quando a razão não dá conta.
É um poema que me revela, mas não me explica.
Talvez por isso seja tão verdadeiro: porque é fragmento, é sensação, é falha — como todos nós.
Victor Hugo Cavalcante: A ideia de Caixa de Vazios nasceu ainda no livro anterior, como você conta. Que papel tem o “vazio” na sua escrita e na sua vida? Trata-se de uma ausência que pesa ou de um espaço a ser habitado poeticamente?
O vazio, para mim, nunca foi ausência absoluta.
Ele é presença suspensa.
É aquilo que resta quando o que era não é mais.
Na vida, o vazio me ensinou a escutar com mais cuidado e, na escrita, ele virou espaço criativo.
Não vejo o vazio como peso, mas como uma sala vazia onde posso dançar com a memória, com o silêncio, com o que ainda não sei dizer.
Habitar o vazio é fazer dele morada transitória — como tudo na vida.
Victor Hugo Cavalcante: A divisão do livro Caixa de Vazios em três seções sugere uma organização quase cênica da poesia, como atos de uma peça. Houve intenção de criar uma narrativa no livro? Que critérios você usou para construir esse encadeamento?
Sim, essa estrutura foi pensada como se fossem três movimentos de uma peça, ou três estações de um percurso interno.
A primeira parte é o prenúncio: Uma Árvore Quase Pronta fala do corpo, da espera, do quase.
A segunda, Fazenda Harmonia, é o tempo da convivência, da memória, do que se constrói.
E Sombra Feliz, a última, é o tempo do recolhimento, do esvaziamento fértil, da aceitação da impermanência.
Cada seção tenta mapear um estado do ser — não em linha reta, mas em espiral.