Flynn Rider, cujo verdadeiro nome é Eugene Fitzherbert, é um personagem icônico do filme Enrolados (Tangled, 2010) da Disney.
Sua personalidade complexa oferece uma perspectiva interessante sobre o mito do amor romântico e como ele é retratado em diferentes personagens das animações baseadas em contos de fadas.
Flynn Rider é apresentado inicialmente como um ladrão charmoso e egoísta, obcecado por riqueza e status.
Ele é astuto e usa sua inteligência para fugir das autoridades e realizar seus planos.
Sua principal motivação no início do filme é recuperar a tiara roubada de Rapunzel, demonstrando seu foco em bens materiais e poder.
Contudo, à medida que Flynn passa mais tempo com Rapunzel, ele revela uma faceta mais vulnerável e compassiva.
Começa a valorizar o relacionamento que desenvolve com ela, mostrando que sua bravata inicial esconde um desejo por conexão e autenticidade.
Eventualmente, Flynn se transforma em um herói altruísta, disposto a sacrificar tudo por Rapunzel.
Segundo Carl Rogers, um dos fundadores da psicologia humanista, a autoatualização é um processo contínuo de realização do próprio potencial e do crescimento pessoal.
Flynn Rider exemplifica esse processo ao evoluir de um ladrão egoísta para um indivíduo altruísta e conectado emocionalmente (Rogers, 1959).
Ressignificando o mito do amor romântico
Flynn Rider reúne muitas das características do mito do amor romântico, que é uma narrativa idealizada e muitas vezes irrealista sobre como o amor deve ser.
Este mito sugere que o amor verdadeiro pode transformar uma pessoa, fazendo com que esta abandone suas falhas e egoísmos em prol de um relacionamento perfeito e harmonioso.
O arco de Flynn reflete essa transformação dramática, onde o amor e a convivência com Rapunzel o fazem redescobrir sua verdadeira identidade e valores.
De acordo com a teoria do amor de Sternberg, o amor completo é composto por três componentes: intimidade, paixão e compromisso (Sternberg, 1986).
A transformação de Flynn pode ser vista como a progressão para esses componentes, quando além da paixão inicial, Flynn desenvolve intimidade e compromisso com Rapunzel.
Comparações com outros personagens da Disney
A Bela e a Fera
Assim como Flynn, a Fera de A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 1991) é um personagem que começa com uma personalidade egoísta e amargurada.
A transformação da Fera ao longo do filme, graças ao amor de Bela, é um paralelo direto ao desenvolvimento de Flynn.
Ambos os personagens são inicialmente vistos como antagonistas ou anti-heróis, mas o amor verdadeiro os leva a uma metamorfose pessoal e moral.
Aladdin
Aladdin, do filme homônimo (1992), também compartilha semelhanças com Flynn Rider. Ambos são astutos, carismáticos e começam suas jornadas como indivíduos marginalizados pela sociedade.
No entanto, enquanto Aladdin deseja melhorar de vida e ganhar o coração da princesa Jasmine, Flynn busca riqueza e aventura.
Ambos, porém, assumem personas distintas de suas verdadeiras identidades diante da crença de que não se darão bem na vida ou no amor sendo quem de fato são.
No final, o amor e a sinceridade os levam a priorizar valores mais nobres e a abraçar suas verdadeiras identidades.
Príncipe Naveen (A Princesa e o Sapo)
O Príncipe Naveen de A Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog, 2009) também se assemelha a Flynn Rider.
Naveen é um príncipe despreocupado e hedonista que aprende lições valiosas sobre responsabilidade e amor verdadeiro ao se apaixonar por Tiana.
É mais um exemplo de alguém que se transforma de um príncipe egoísta em um parceiro devotado.
Crítica ao mito do amor romântico
Embora os arcos de personagens como Flynn Rider sejam cativantes, eles também perpetuam certos aspectos do mito do amor romântico que podem ser problemáticos.
A ideia de que o amor verdadeiro pode e deve transformar uma pessoa profundamente tende a criar expectativas irreais sobre relacionamentos.
As transformações dramáticas e rápidas podem sugerir que problemas pessoais e traços de caráter podem ser facilmente resolvidos através do amor, o que não corresponde à realidade.
Estudos mostram que o mito do amor romântico pode levar a expectativas irrealistas e decepções nos relacionamentos reais (Sprecher & Metts, 1989).
A crença de que o amor verdadeiro resolverá todos os problemas pode impedir o crescimento individual e a resolução de conflitos de maneira saudável e realista.
É possível concluir que Flynn Rider e os outros personagens aqui citados são exemplos clássicos de como as animações baseadas em contos de fada utilizam o mito do amor romântico para criar narrativas de transformação pessoal e redenção.
Comparado a outros personagens como a Fera, Aladdin e Príncipe Naveen, Flynn ilustra a jornada do egoísmo ao altruísmo, motivado pelo amor verdadeiro.
Embora essas histórias sejam emocionantes e encantadoras, é importante também reconhecer e questionar as expectativas irreais que o mito do amor romântico pode promover.
Sobre os autores
Danilo Suassuna é doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008), possui graduação em Psicologia pela mesma instituição.
Também é autor do livro Histórias da Gestalt-Terapia — Um Estudo Historiográfico, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e do Curso Lato-Sensu de Especialização em Gestalt-terapia do ITGT-GO, coordenador do NEPEG (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gerontologia) do ITGT, membro do Conselho Editorial da Revista da Abordagem Gestáltica eConsultor Ad-hoc da revista Psicologia na Revista PUC-Minas (2011).
Pedro Paulo Coelho é psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2015), Gestalt-terapeuta pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT) (2021) e especialista em atendimento com adolescentes pelo Instituto Suassuna (2021).
Atende atualmente em consultório particular com foco em adolescentes, adultos e casais e atua como palestrante sobre diversos temas relacionados ao autoconhecimento e saúde mental.