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Ronny D’Oliveira reflete sobre a Cidade das Máquinas

Ator e diretor do espetáculo aprofunda em entrevista sobre a criação e direção de peça que explora a vida artística em um mundo capitalista.

Foto do diretor e ator da peça Cidade das Máquinas e entrevistado do dia: Ronny D’Oliveira.

Fundado em 1954 pela renomada atriz Maria Della Costa, o Teatro Maria Della Costa, localizado na Rua Paim, 72 — Bela Vista, São Paulo, já testemunhou tanto o apogeu quanto as dificuldades de se manter como um espaço dedicado à produção cultural.

Desde 1978, sob a administração da APETESP (Associação dos Produtores Teatrais do Estado de São Paulo), o edifício continua a ser um templo sagrado para o teatro, abrigando uma programação ativa e diversificada.

No palco deste icônico teatro, o espetáculo Cidade das Máquinas propõe uma discussão profunda sobre as dores e delícias de ser artista em um mundo movido pelo lucro.

Imagem-montagem com banner de divulgação do evento.
A peça explora as contradições da vida artística, personificadas pelo ator-poeta e pelo artista plástico, interpretados por Felipe Cantoni e Rony D’Oliveira, respectivamente. Crédito: Divulgação

Apresentada aos sábados, às 21h30, e aos domingos, às 19h, no Teatro Maria Della Costa, até o dia 24 de agosto, Cidade das Máquinas, adaptada e dirigida por Ronny D’Oliveira, oferece ao público uma oportunidade única de refletir sobre a importância do artista em nossa sociedade e sobre a essência humana que muitas vezes é esquecida em um mundo cada vez mais mecanizado.

Em entrevista exclusiva, Rony D’Oliveira revela sua inspiração e influências para adaptar o texto de Pedro Tudech, as dificuldades e alegrias de atuar e dirigir simultaneamente, e muito mais:

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-lo no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Qual foi a sua inspiração para adaptar o texto de Pedro Tudech em Cidade das Máquinas e quais elementos você sentiu serem essenciais para preservar?

Ronny D‘Oliveira: Sempre fui apaixonado por esse texto, me lembro que a primeira leitura me deixou extasiado, ao término estava às lágrimas, pois sou fã dos Beatles e vi no texto um encontro de pensamentos em relação à vida, à sociedade e aos meus ideais.

Então por anos venho fazendo esse texto, sempre pensando que ao invés de homenagear apenas o Super Ídolo, no caso o John Lennon, deveria ser uma homenagem a todos que vivem da arte até porque a história central da peça é sobre esse assunto, o sonho do poeta e artista em sobreviver da sua arte num mundo capitalista, onde o tempo todo falam para ele conseguir um emprego de verdade.

Tive essa inspiração de contar a história iniciando no ano de 1980, ano da morte do Super Ídolo, John Lennon, mostrando as mazelas da vida do mundo de hoje, onde percebemos que a essência humana e o amor ao próximo estão cada vez mais distantes da nossa realidade.

Os elementos que considerei importantes preservar foram os ideais a que buscam os artistas, o sonho de viver de sua arte, a importância do amor, da fraternidade e a busca de um mundo melhor, com oportunidades para todos.

Victor Hugo Cavalcante: O espetáculo aborda a vida da classe artística em uma sociedade capitalista. Como você vê a relevância dessa discussão atualmente?

De suma importância, infelizmente as pessoas em sua maioria vivem em função do ter, dos bens materiais e de que um trabalho descente é aquele que você bate cartão e tem um salário fixo.

Acredito que necessitamos, sim, de ter como nos sustentar, mas não necessariamente precisa ser com algo que nos façam infelizes, nos sentindo como máquinas, sugados por uma opressão capitalista.

É preciso que a sociedade encare a arte como trabalho e aprenda valorizar, pois acredito que só assim essa discussão transformará os pensamentos.

Victor Hugo Cavalcante: Na peça, o ator e o artista plástico representam aspectos diferentes de um único personagem. Como foi o processo de construção desses personagens em cena?

O processo de construção das personagens foi criado através do entendimento de que ambos buscam e compartilham de um mesmo sonho, porém o artista plástico, sendo uma pessoa mais experiente de vida, procura através de algumas atitudes e palavras, fazer com que o ator entenda exatamente o que quer e se ama fazer, porque as dificuldades de quem vive da arte é essa e somente através do seu amor pela arte é que conseguimos forças para enfrentar as dificuldades que virão.

Tanto que durante o espetáculo há uma inversão das personagens, onde Nilo, o artista plástico, mostra seu lado artista e se sensibiliza por Claudio, e Claudio, o poeta, devido às decepções que enfrenta, acaba se parecendo com Nilo no início do espetáculo.

Há uma troca de papéis do meio ao final do espetáculo, tanto física como psicologicamente.

Victor Hugo Cavalcante: Você menciona uma influência “chapliniana” no espetáculo. Como o cinema de Charlie Chaplin influenciou a direção e a narrativa de Cidade das Máquinas?

Quando o ator que faz o poeta menciona que quer arrumar um emprego de gente e não de robô é exatamente isso, é não querer apenas apertar parafusos, ser uma máquina, um robô, nos remetendo a influência de Chaplin porque o poeta entende que é preciso ser tratado e respeitado como ser humano, um ser pensante que também quer compartilhar de ideias e pensamentos na vida.

Victor Hugo Cavalcante: O Teatro Maria Della Costa é um espaço icônico para o teatro brasileiro. Como foi a experiência de trazer Cidade das Máquinas para esse palco?

Somos um grupo muito pequeno e independente, buscamos colocar o espetáculo em cartaz para saber da devolutiva do público, já que seria uma adaptação do texto.

Porém, em meio a alguns transtornos pessoais, conseguimos colocar o espetáculo de pé e, sim, em um bom teatro e de renome, que nos orientou e nos ajudaram em questões burocráticas.

Está sendo uma experiência incrível, mesmo com algumas limitações por parte tanto do teatro como de nossa produção.

Victor Hugo Cavalcante: A peça explora as dificuldades e as delícias de ser artista. Quais desafios pessoais você encontrou ao longo da sua carreira que se conectam com essa narrativa?

Logo que me formei como ator aos trinta e dois anos, comecei a entrar no mundo da TV e do teatro, porém na época meus filhos eram pequenos e eu já era formado em outra área, como professor.

Então, na ocasião e devido à família, tive que optar pelo certo, pois o trabalho com a TV era esporádico e o teatro nunca havia dado um retorno financeiro.

Mesmo assim para não me frustrar muito continuava com o teatro projeto escola.

Era uma forma de estar conectado ao mundo das artes.

Essa escolha foi muito difícil para mim, mas o que me acalentava era o fato de dar continuidade ao projeto escola e os projetos com artes na educação, como professor.

Hoje de volta aos teatros, sinto ainda as dificuldades, porém agora um pouco diferente.

Por não termos patrocínio e nenhuma lei de incentivo, tudo fica muito mais difícil, aluguel caro e público muito difícil de alcançar.

A arte é incrível, ela nos faz acreditar no sonho e na realização de estar no palco e é isso que nos move sempre.

Victor Hugo Cavalcante: Qual é a mensagem central que você espera que o público leve consigo após assistir ao espetáculo?

A mensagem central que espero atingir ao público é que precisamos ser melhores, como diz a música, melhores no amor, melhores na dor do outro, sermos mais humanos, fraternos, estamos abertos ao aprendizado da vida, acreditar em nossos sonhos e buscar aquilo que te faz verdadeiramente feliz, mesmo que essa felicidade não seja para sempre.

Victor Hugo Cavalcante: Você tanto dirige quanto atua na peça. Como foi equilibrar essas duas responsabilidades e quais foram os principais desafios nesse sentido?

É muito complicado dirigir e atuar ao mesmo tempo, mas amo tanto esse espetáculo que não consegui ainda dar essa personagem a outra pessoa, mas posso dizer que chegará a hora, sim, pelo amor que tenho a ele.

Estando nessa situação é complicado porque você se preocupa com o todo do espetáculo e a interpretação do outro ator, porém você fica à mercê da sua atuação e só conseguirá saber se está tudo bem, apenas com o feedback do público.

Então, considero essa parte bastante difícil.

Às vezes você sem querer acaba observando coisas durante a peça como diretor, os erros ou o que você pediu para que o outro ator não fizesse e isso prejudica a sua atuação porque ali você está como ator e entregue a atuação e não dirigindo.

E também por criar uma intimidade com o ator que contracena com o diretor, o próprio não entende quando você faz as colocações e leva por um lado pessoal, coisa que para mim não é legal.

Victor Hugo Cavalcante: Com o cenário atual das artes no Brasil, qual você acredita ser o papel do artista em continuar resistindo e se expressando através da arte?

Acredito muito na importância do papel do artista em nossa sociedade, mas penso que ele próprio precisa estar conectado com seus propósitos, com sua filosofia de vida e entender para que a sua arte servirá nesse país.

Penso que haverá um encontro de realizações de sonhos e simultaneamente levar questionamentos através de sua arte para a mudança de pensamentos, sejam eles artísticos, econômicos, religiosos e até políticos, tudo isso na busca de se sentir feliz e realizado com o alcance de sua arte.

Victor Hugo Cavalcante: Por fim, para você, qual é a importância do teatro como ferramenta de reflexão social e como ele pode impactar as pessoas em um contexto tão desafiador como o que vivemos?

Eu acredito tanto no poder do teatro como ferramenta transformadora que para mim é o meu combustível de sobrevivência.

O teatro não impõe nada, ele simplesmente te mostra os fatos, os dados e te leva a uma reflexão sobre algo que você talvez não havia pensado ou nunca havia refletido sobre as situações apresentadas.

Vejo como uma forma transformadora porque ele te coloca na situação e ali presente na história, nos acontecimentos.

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