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Revelando a arte da besteirologia da Doutores da Alegria

Wellington Nogueira, fundador da Doutores da Alegria, revela tudo sobre o maravilhoso projeto orquestrado pela trupe de “doutores” besteirológicos.

Imagem-montagem com foto do fundador da Doutores da Alegria e entrevistado do dia.

Há um ditado popular que diz que rir sempre é o melhor remédio, e isso é o principal ingrediente medicinal que a Doutores da Alegria tem de sobra.

A Doutores da Alegria é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que introduziu a arte do palhaço no universo da saúde há mais de 30 anos.

Atua levando cultura para crianças, adolescentes e outros públicos em situação de vulnerabilidade e risco social em hospitais públicos de São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Desde 1991, os besteirologistas da Doutores da Alegria visitam crianças, adolescentes e outros públicos em situação de vulnerabilidade e risco social.

As intervenções acontecem em hospitais públicos de São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, com ações que também impactam acompanhantes e profissionais das unidades de saúde.

O programa de visita de palhaços nos hospitais é o coração da organização, onde a arte e a saúde se entrelaçam para inspirar novas experiências com os encontros que acontecem nos hospitais.

Em duplas, os palhaços realizam visitas semanais nas alas pediátricas e adultas, subvertendo a rotina hospitalar e trazendo novos significados à experiência de internação, resgatando o lado saudável dos pacientes.

A essência das intervenções artísticas está no jogo de relações, na brincadeira e no repertório único de cada profissional que atua como palhaço.

Essa ação de Doutores da Alegria gratuita para os hospitais é feita por artistas profissionais contratados pela organização.

Os impactos positivos dos encontros são sentidos pelas crianças, famílias e equipe médica dos hospitais atendidos.

Segundo dados referentes a 2022, a ONG já fez mais de 108.674 intervenções para crianças hospitalizadas, acompanhantes e profissionais de saúde.

Então, se você, assim como nós do Folk, admira esse sensacional trabalho, leia essa gratificante entrevista com Wellington Nogueira, fundador do projeto besteirológico e se permita dar uma risadinha emocionada.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-lo no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Como foi a sua experiência inicial com a Clown Care Unit™ em Nova Iorque, e o que o inspirou a trazer essa ideia para o Brasil e criar a Doutores da Alegria?

Wellington Nogueira: É um prazer estar conversando com você também, Victor Hugo.

No Clown Care Unit™eu achava que era completamente absurdo, uma proposta como essa de palhaço no hospital (risos).

Eu estava formado já na escola de teatro musical, trabalhando profissionalmente, então, a ideia de palhaço no hospital me pareceu um retrocesso, algo próximo a uma festa de aniversário.

No que eu falei isso, a palhaça que me convidou falou:

“Vê primeiro e julga depois” (em tom bravo).

Eu fui, e daí caiu a minha cara porque eu vi um trabalho de uma competência, de um profissionalismo, de uma beleza.

Eu nunca havia visto nada igual.

Liguei para minha amiga e falei que eu não teria condição de fazer teste porque o pessoal era ótimo e eu era só um ator de musicais, muito embora na formação de teatro musical eu tenha tido dois anos e meio de trabalho de palhaço que era matéria obrigatória.

E assim eu me preparei e no dia do meu teste eu entendi uma nova dimensão de arte que eu não sabia que era possível, o que eu chamo hoje de algo completamente integrado ao que a gente está vivendo, ao futuro também, porque é sobre cocriação em tempo real para plateias de um.

Quem são as plateias de um?

Hoje se você assiste a um vídeo no YouTube, você é uma plateia de um.

Então, eu me lembro muito bem que a primeira vez que ouvi falar de palhaço em hospital, eu pensei: isso é o futuro!

E hoje isso é uma das constatações, além das outras.

Victor Hugo Cavalcante: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao fundar a Doutores da Alegria no Brasil, especialmente no início?

O maior desafio foi exatamente o de mostrar o aspecto profissional do trabalho marcado por: 1) pelo fato de serem atores profissionais com a especialização em técnicas de palhaço; 2) eles receberem treinamento contínuo para desempenhar o seu trabalho cada vez melhor porque no hospital tudo muda constantemente e o artista precisa acompanhar essa mudança; 3) o novo conceito de uma apresentação baseada em interação, ou seja, a gente trabalha em dupla porque um palhaço apoia o outro e a gente se apresenta como “besteirologista” porque usamos um jaleco branco, então, a gente se mistura com a paisagem, com os profissionais de saúde, com os médicos, e fazemos check-ups divertidos.

Às vezes é a veia cômica que está precisando ser inflada, às vezes é uma dor nas orelhas justamente porque a cabeça já está muito vazia.

A gente vai criando essas “cirurgias e tratamentos” que são paródias amorosas da realidade médica.

E dessa forma as crianças vão interagindo de uma maneira divertida no tratamento e a relação com os médicos e profissionais de saúde fica muito mais leve, até porque, como a gente nunca começa nenhuma interação sem antes falar com a enfermagem para saber quem pode e quem não pode ser visitado, isso cria uma cumplicidade muito bonita, a qual a gente valoriza e agradece muito.

Então, essas características vão ajudando a personalizar o trabalho no hospital.

Enfim, a empresa também foi muito importante nesse sentido.

O primeiro hospital onde comecei foi o antigo Hospital Nossa Senhora de Lourdes (hoje não existe mais, acho que tem outro nome), no Jabaquara.

Então, o fato de ter um trabalho acontecendo foi uma estratégia fundamental para que o público pudesse entender, não só o público de médicos e profissionais de saúde, mas, depois, uma vez que o trabalho estava bem estabelecido, também a imprensa.

É um trabalho realizado por uma ONG que pede doações, então, a divulgação do trabalho pelos meios profissionais de comunicação é uma forma de prestação de contas (uma forma de e não todas).

Mas, o Doutores também é exemplo de prestação de contas nas Leis de Incentivo à Cultura.

A gente leva isso muito a sério porque é muito fácil qualquer coisinha acontecer e mudar todo o cenário.

Então, a gente tem que ser muito, muito rigoroso, paranoico.

Mas, graças a Deus, a gente tem uma equipe maravilhosa e que não é paranoica, é supercompetente.

Victor Hugo Cavalcante: Como você avalia o impacto da Doutores da Alegria na vida das crianças e das famílias atendidas ao longo dos anos?

Muito obrigado por essa pergunta linda.

No primeiro trabalho de pesquisa realizado pela Morgana Mazetti, que gerou o livro Soluções de Palhaço — Transformações na Realidade Hospitalar, a gente traz muitos depoimentos dos pais.

Primeiro, é um alívio para eles verem os filhos rindo e se divertindo.

Por mais sutil e menor que seja essa manifestação.

Por exemplo, uma criança se recuperando de uma cirurgia.

Eu tenho muito orgulho de os profissionais de saúde terem visto, a partir do Doutores, que quando você tem um trabalho que é completamente estapafúrdio, diferente, mas você tem método, continuidade e principalmente uma comunicação constante com o hospital parceiro, de modo que você faz parte da rotina do hospital, o impacto é muito positivo.

Uma das coisas de que eu mais me orgulho é que os profissionais de saúde começaram a comentar o trabalho da gente como algo que humaniza o hospital.

Entramos para levar graça e arte e o Doutores contribuiu também para que esse movimento de humanização hospitalar acontecesse e isso virou algo oficial pela área da saúde.

E hoje, nas universidades, nos currículos de medicina, isso é importante.

Quando a saúde pegou isso na mão, tomou uma proporção que, nas nossas mãos, nunca teria.

Mas é para isso que o palhaço existe, para fazer essas provocações amorosas e ajudar as pessoas a colocarem em prática ações inovadoras, diferentes, arriscar e testar.

Tenho muito orgulho dessa contribuição do Doutores da Alegria para a área da saúde.

Mais de mil programas semelhantes nasceram ao longo dos anos no Brasil, inspirados pelo Doutores da Alegria.

Qual foi nossa postura? Chegar lá e gritar com eles por que eles estavam copiando o nosso trabalho? Não!

Foi falar: a gente quer conhecer.

E no que a gente foi conhecer, vimos que podíamos ajudar muito eles a ficarem melhores.

Assim, acabamos criando uma rede de cooperação entre esses programas.

Muitos grupos que começaram amadores se profissionalizaram e a causa ficou muito mais preenchida.

Uma ONG é pública, uma causa como a nossa é pública.

Então, a nossa missão não é ser dono da causa, mas é ser meio para que essa causa cresça e se estabeleça lindamente cada vez mais.

Victor Hugo Cavalcante: Você poderia compartilhar algumas histórias ou experiências marcantes de crianças que foram positivamente impactadas pelo trabalho dos Doutores da Alegria?

São muitas histórias em 33 anos, mas, se eu pudesse criar um denominador comum, eu diria haver crianças que nós acompanhamos durante muitos anos, até por conta da complexidade do caso dessas crianças, que demandaram internações muito longas.

Então, um dos nossos grandes triunfos foi ver essas crianças se recuperarem e irem para casa, como o caso de uma criança que nasceu sem o aparelho digestivo e viveu a vida no hospital, uma série de operações, e a alegria dessa criança quando ela finalmente saiu do hospital, usando fralda, e super orgulhosa porque ela ia poder usar aquela fralda e depois ia poder usar uma privada, um peniquinho.

Essa foi uma das histórias que nos marcou muito porque essa criança ficou um longo tempo internada e vários artistas passaram por ela.

Eu sugiro a você entrar no site do Doutores e ver as histórias dos hospitais.

Victor Hugo Cavalcante: A Doutores da Alegria lançou o programa Palhaços em Rede em 2007 e o projeto Plateias Hospitalares, em 2009. Conte-nos mais destas ações, e quais são os principais projetos e programas da ONG ainda em voga?

O Doutores da Alegria começou em 1991 e o nosso trabalho inspirou muita gente a criar programas semelhantes.

O Doutores tem uma estrutura muito clara e não é muito leve porque temos profissionais de mobilização de recursos, administração, prestação de contas, os artistas e tudo mais.

Durante muito tempo, eu fiquei pensando em como expandir o trabalho, então expandi para o Rio de Janeiro, Recife, mas os processos não eram rápidos e precisamos começar com caixa e uma ONG não é uma geradora de recursos como um negócio.

Na época, não estávamos preparados para assumir um risco como esse.

Então, estávamos sempre pensando na captação de recursos e, como a gente não conseguia crescer na velocidade que o Brasil estava pedindo, vimos que várias pessoas começaram a iniciar seus próprios programas em vários lugares do Brasil.

Dessa forma, fomos olhar por outro ponto de vista: muitos programas foram iniciados em lugares onde não teríamos condições de estar ou nunca teríamos pensado em ir; esses programas nasceram, na maioria, inspirados no Doutores da Alegria, então, a gente sentiu um traço de responsabilidade para com eles.

Assim, decidimos olhar a situação como um palhaço, essas pessoas se arriscaram, foram em frente e criaram seus programas e pedem ajuda para a gente e propusemos uma rede de colaboração.

Então, a gente cresceu indiretamente, em que fizemos vários encontros de partilha, de técnica, de limpeza do trabalho, de eficiência, de tiração de dúvidas, enfim, uma rede de cooperação mesmo, da qual a gente se orgulha muito.

Por conta dessa iniciativa, recebemos muito apoio e verba para fazer os encontros.

Foi uma experiência maravilhosa.

O Palhaços em Rede foi essa inspiração.

E quando eu morava nos Estados Unidos, eu conheci uma ONG que se chamava Plateias Hospitalares, era como uma grande agência pública que agendava programas artísticos e culturais para hospitais, casas de apoio, asilos.

Me encantava muito esse trabalho.

A minha experiência nesse programa me ajudou a criar apresentações que foram muito bem-sucedidas.

E conversando com o Luiz Rocha, nosso diretor-presidente, ele sugeriu recriarmos aqui o Plateias Hospitalares.

Aí, então, o programa começou com uma variedade maior de público e apresentações.

Sobre os programas em voga, hoje trabalho nos hospitais e depois da pandemia, estamos voltando para algumas apresentações pequenas e palestras e agora acabamos de mudar para o novo espaço no centro de São Paulo.

Temos também a escola de jovens palhaços, um projeto lindo que transforma o nosso conhecimento na formação de novos palhaços.

Para nós, foi muito importante olhar jovens que tinham talento, mas não tinham condições de estudar em uma escola boa.

Trouxemos também professores e educadores de fora e criamos essa formação de dois anos e os jovens que participam saem com o DRT de palhaço profissional.

Victor Hugo Cavalcante: Como vimos, a Doutores da Alegria cruzou as fronteiras dos leitos hospitalares para realizar espetáculos, exposições e apresentações interativas para a sociedade, como surgiu essa ideia de cruzar essa fronteira e qual foi a importância de cruzar este limite para a ONG enquanto divulgador de arte da palhaçaria?

Como diz Milton Nascimento: “Todo artista tem que ir aonde o povo está”.

Do restante, acredito que a resposta da pergunta anterior já contempla a resposta dessa.       

Victor Hugo Cavalcante: Como é o processo de treinamento dos palhaços na Escola Doutores da Alegria e que habilidades e características são essenciais para quem deseja atuar na ONG?

Os palhaços têm formação de várias escolas diferentes (europeias, americanas e brasileiras também, o que é ótimo).

Então, o processo de seleção é vir conhecer o trabalho, baseado no que viu, tirar todas as dúvidas e fazer um período de trabalho com um artista experiente do Doutores da Alegria.

Esse é o processo de seleção e, depois de selecionado, vai para o hospital com o artista experiente e vai fazer um período de trabalho.

Com base no desempenho, o candidato recebe ou não o convite para poder entrar no elenco e se especializar em besteirologia.

O legal é que o processo não é competitivo, é muito amoroso e faz com que o artista experiente que está trabalhando com o artista pretendente, seja observador e generoso.

Victor Hugo Cavalcante: Como é estabelecida e mantida a relação com os hospitais onde a Doutores da Alegria atuam? Que tipo de colaboração é necessária?

Os hospitais são todos públicos porque o dinheiro que nós levantamos vem das Leis de Incentivo à Cultura em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.

Assim, captamos os recursos para manter o programa nos hospitais, com os quais a gente fecha parceria.

A ideia é começar e não parar.

O hospital não vai pagar pelo nosso trabalho, é o Doutores que capta os recursos.

É importante para nós que seja um hospital que nos ensine, nos desenvolva, estimule e há muitos hospitais de especialidades.

O Hospital das Clínicas, em São Paulo, por exemplo, é um hospital onde a gente visita crianças do Brasil inteiro e tratando de especialidades raríssimas.

Isso também faz com que o trabalho viaje.

Victor Hugo Cavalcante: De que maneira a internet e as redes sociais têm contribuído para a expansão e divulgação do trabalho da ONG, principalmente durante a pandemia?

Ela amplia o alcance do nosso trabalho, por exemplo, como no caso bem recente, a pandemia.

Os artistas não podiam ir para os hospitais, então, propusemos que os artistas criassem cenas e produzissem, escrevessem, roteirizasse, filmassem, editassem e então, esses vídeos eram todos enviados para um comitê de avaliação, do qual eu fiz parte.

Fizemos esse processo de seleção dos vídeos de forma bem transparente e toda semana colocávamos vídeos novos.

Então, criamos um acervo de histórias lindas contadas em dois a três minutos.

Foi uma forma de estarmos vivos e a coisa mais linda aconteceu.

Como existiam programas semelhantes, esses vídeos eram publicados nos sites e nas redes do Doutores da Alegria e esses vídeos tiveram alcance infinitamente maior do que esperávamos, de milhões de views e isso nos alegrou bastante porque esses vídeos alegraram públicos no Brasil inteiro.

Victor Hugo Cavalcante: Quais são os planos e metas futuras para a Doutores da Alegria e como a comunidade pode contribuir para a continuidade e crescimento do trabalho da ONG?

Continuar fazendo o trabalho nos hospitais, continuar aprofundando nosso conhecimento e experiência, continuar criando oportunidades de estar no palco e entrar em cena e hoje também, penso que nosso desafio atual que queremos realizar nos próximos anos é a criação da fundação que já existe, mas precisamos potencializar a escola dos Doutores da Alegria porque tem muito conhecimento ali de várias áreas que pode ser usado para ajudar a formar uma nova geração de artistas.

A alegria não tem contraindicação, o mundo está cada vez ficando cada vez menor graças às tecnologias que ajudam a gente a vencer distâncias, então, acredito que o caminho é também a gente se letrar para poder alcançar, cada vez mais, novas plateias que precisem e busquem alegria, essa alegria simples que é do palhaço e do seu encontro com a criança.

Victor Hugo Cavalcante: Em agosto, você participará da 6ª edição do Dádivas de Pai — Almoço beneficente em prol da Associação São Joaquim de Apoio à Maturidade (ASJ). O que poderemos esperar da sua apresentação no evento?

Neste evento do almoço de Dádivas eu vou ser um mestre sem cerimônias (risos), um anfitrião e a ideia é tornar tudo isso um encontro gostoso, divertido, para celebrarmos e estarmos juntos e, juntos, ajudarmos a quem precisa.

Existe um trabalho lindo feito pela Associação e pelo trabalho das arrecadações com essa iniciativa das dádivas, então, a ideia é ampliar sempre o alcance da arte, da graça, da alegria, para chegar, de várias formas, a quem precisa.

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