Rafael Amorim (Rio de Janeiro, 1992) é poeta, pesquisador e artista visual independente, nascido na Zona Oeste, onde encontra as principais referências para o desenvolvimento de sua pesquisa entre periferia e memória LGBTQIAPN+.
Seu livro de poemas santíssimo (Ed. Urutau) recebeu menção honrosa no 31º Festival Mix Literário.
Doutorando em Artes Visuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGArtes — UERJ), mestre pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia (PPGAV — UFBA) e graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA — UFRJ).
Nessa entrevista exclusiva, ele compartilhou detalhes sobre sua mais recente exposição, intitulada O Meu Lugar, na qual atua como curador ao lado de Julia Baker.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-lo no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Como foi o processo de colaboração com Julia Baker na concepção da exposição?
Rafael Amorim: A Julia e eu já fizemos outros projetos juntos desde 2019.
Mas é a primeira vez que dividimos a curadoria de uma exposição.
Esse tem sido um processo de bastante diálogo e acredito que assinar uma curadoria a quatro mãos é também um modo de ampliar minha escuta para as tantas contribuições que a Julia tem na área de produção.
O maior desafio de todos é tentar desenhar uma exposição que faça jus às poéticas de cada artista que convidamos, produzindo um espaço que privilegie cada obra e trajetória desse grupo super heterogêneo.
Victor Hugo Cavalcante: Em que momento do desenvolvimento da exposição você percebeu que a ideia de ressignificar o subúrbio estava realmente ganhando forma nas obras apresentadas?
Na verdade, esse projeto existe já há pelo menos dois anos: ele é um dos braços da minha pesquisa artística a respeito da criação de outras iconografias para o subúrbio e a periferia que não opere na criação de imagens de violência.
As obras apresentadas criam um tipo de constelação muito especial que vai conectar pesquisas, práticas, técnicas, imagens, histórias, etc.
Por não se tratar de uma exposição com diferentes linguagens plásticas, a gente acredita que a força da ressignificação esteja justamente nessa pluralidade de imagens que vão surgindo no aproximar entre as obras.
É, para além de tudo, um lugar de experimentação criativa para ver quais são as muitas faces desse subúrbio fluminense.
Victor Hugo Cavalcante: A exposição conta com artistas que têm uma relação íntima com os subúrbios e periferias do Rio de Janeiro. Como essa conexão pessoal impactou a seleção e a apresentação das obras?
A maioria das obras apresentadas já estavam no meu horizonte há algum tempo.
Sempre foram obras de artistas que eu admiro e que são grandes referências para o tipo de pesquisa que desenvolvo nas Artes Visuais, pensando uma espécie de Arte Conceitual que surge com as materialidades encontradas em nossas vivências suburbanas.
Então, a exposição foi tomando forma à medida que elas vão se misturando em meio ao meu interesse de falar de Arte Conceitual como algo legítimo aos nossos subúrbios.
Victor Hugo Cavalcante: Quais foram as reações iniciais dos artistas convidados ao tema da exposição? Houve alguma obra ou abordagem que te surpreendeu?
Por se tratar de um grupo de jovens artistas da mesma geração a qual faço parte, esse contato se deu de maneira muito fluida e afetiva.
Eu não me entendo como curador, mas um artista que se interessa por curadoria.
Por isso, acredito que o convite a essas artistas foi um modo de homenagear suas pesquisas que seguem me inspirando.
Todas elas aceitaram de cara, o que me deixou muito feliz e, ao mesmo tempo, ansioso em proporcionar uma exposição digna do intenso trabalho que essas artistas-pesquisadoras vêm desenvolvendo.
Victor Hugo Cavalcante: O Meu Lugar se insere em um contexto mais amplo de discussões sobre urbanidade e identidade. Como você enxerga a relação entre essas questões e as atuais políticas culturais no Brasil?
O Meu Lugar precisa ser “O Nosso Lugar”, essa é a principal mensagem da exposição.
Pensar território, direito à moradia e memória urbana através das Artes Visuais é também abrir essas discussões para diferentes públicos.
De modo que a gente possa seguir questionando as assimetrias sociais que ainda imperam não só sobre o contexto fluminense, mas, de certa forma, também o próprio país.
O Meu Lugar é uma exposição para tentar democratizar o acesso a importantes discussões sobre pertencimento, é uma forma de levar para o espaço expositivo a perspectiva de nove artistas que ocupam o Estado sob outras métricas que não aquela programada pelo senso comum.
Victor Hugo Cavalcante: A exposição propõe uma ressignificação do subúrbio, mas como você vê essa ressignificação reverberando fora das fronteiras do espaço expositivo, na vida cotidiana dos moradores dessas regiões?
A gente sempre espera que as exposições ultrapassem as fronteiras e os muros institucionais.
Para isso, é mais que fundamental a presença do educativo e da instituição em promover encontros com o público local.
Uma exposição é também o público que ela alcança e, por se tratar de uma exposição que já no título carrega o primeiro verso de um dos maiores hinos suburbanos, a gente espera que o público se sinta cada vez mais à vontade para criar conexões e reconhecer em cada obra algo em comum com sua própria trajetória.
Além disso, O Meu Lugar é uma exposição que aposta na criação de um arquivo vivo onde esse público possa ter acesso às discussões que aproximam a Arte Contemporânea do subúrbio fluminense, desmistificando o imaginário restrito, elitista e careta dos espaços de arte.
Victor Hugo Cavalcante: Ao trabalhar com artistas que trazem suas próprias histórias e perspectivas sobre o subúrbio, como você lidou com a responsabilidade de representar essas narrativas de forma autêntica?
Todas as obras já existiam previamente, mas nem todas são um comentário explícito sobre o subúrbio.
O que mais interessa em O Meu Lugar é encontrar esses subúrbios nas entrelinhas, reconhecê-los através de fragmentos e ir montando essa exposição de acordo com nossos próprios repertórios.
Já nisso há a responsabilidade de propor um ambiente de diálogo e acolhimento para cada uma das pesquisas trazidas nas obras.
A escolha por obras em diferentes formatos e técnicas tem a ver com essa tentativa de criar uma exposição minimamente autêntica, onde cada artista pode apresentar seu fragmento de subúrbio e ainda assim traçar diferentes perspectivas sobre tantos outros assuntos.
Victor Hugo Cavalcante: O Meu Lugar explora o subúrbio através de uma diversidade de meios artísticos. Como você acredita que essa diversidade enriquece a experiência do visitante e amplia a compreensão do tema?
O que mais há nesses territórios são as pluralidades de materiais!
O Meu Lugar busca ampliar esse tema através do uso de signos comuns às nossas experiências coletivas de subúrbio.
São obras que expõem toda uma sensibilidade para aquelas coisas imersas no cotidiano e que nem sempre nos ensinam a perceber.
É dessa diversidade que procuramos adubar O Meu Lugar, propondo que cada visitante pudesse criar seu próprio percurso afetivo na exposição.
Victor Hugo Cavalcante: O Sesc Pulsar 2024 foi um suporte importante para a realização desta exposição. Como o edital influenciou a maneira como vocês abordaram a curadoria e a concepção da mostra?
O edital possibilitou tirar o projeto do papel e materializá-lo, trazendo várias demandas que só entendemos quando começamos de fato a pré-produção.
Ter esse projeto contemplado pelo Sesc Pulsar nos ajudou a entender a relevância cultural dele, o que por si só já nos enche de orgulho ao ver que estamos produzindo diálogos com outros agentes de arte e cultura.
Após esse processo de contratação, tivemos nossas primeiras reuniões e nossa visita técnica à unidade do Sesc São Gonçalo, o que também fez com que a gente pudesse identificar, por exemplo, a expografia, os pontos fortes do espaço expositivo, a identidade visual, etc.
Victor Hugo Cavalcante: Qual é o papel do público nesta exposição? Você acredita que a interação com as obras pode transformar a percepção das pessoas sobre os subúrbios e periferias do Rio de Janeiro?
Numa primeira vista, essa é uma exposição muito simples, materialmente falando.
Ela é composta basicamente por fotografias e uma série de esculturas entre o teto e o chão, algumas suspensas.
O que faz com que ela seja especial, para além do teor crítico e extremamente maduro de todas as obras, é justamente esse apelo a signos comuns do cotidiano para que nosso público possa se entender parte daquilo, ressignificando-os.
Temos um grupo de artistas majoritariamente LGBTQIAPN+ e isso foi uma das prioridades no desenvolvimento desse projeto, pois acreditamos que discutir identidade e pertencimento ao território suburbano passe principalmente pelas experiências fora da norma.
O Meu Lugar é essa exposição cheia de camadas, pensada coletivamente como uma forma de trazer o público para mais perto de diferentes abordagens artísticas interessadas em transformar nossas percepções do mundo em que vivemos.