Pensamentos disfuncionais como ‘E se não der certo?’, ‘E se eu reprovar?’, ‘A culpa é toda minha’, ‘O que vai acontecer?’ são preocupantes para a saúde mental durante a adolescência, uma fase repleta de mudanças e incertezas.
Essas reflexões abalam a autoestima, desencadeiam crises de identidade e instigam medos, contribuindo para o desenvolvimento de quadros de ansiedade e depressão.
Conhecidos também como ‘pensamentos automáticos’, eles surgem sem esforço ao longo da rotina.
Por isso, a psicóloga especializada em diagnóstico infantil Juliana Russano escreveu os livros Como assim? e Nem pense nisso!.
E agora você poderá saber mais dos motivos da criação, os feedbacks dos leitores e muito mais sobre essas histórias em quadrinhos desenvolvidas para promover a inteligência emocional entre os jovens.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro é um prazer recebê-la no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Qual foi a inspiração por trás da criação da série de HQs Como Assim? e Nem Pense Nisso! e como você acredita que esses livros podem preencher uma lacuna na abordagem de questões emocionais específicas dos adolescentes?
Juliana Russano: Oi, Victor! O prazer é todo meu!
Respondendo a sua pergunta, eu procurei um livro no Brasil para trabalhar inteligência emocional com adolescentes e pré-adolescentes, e, para a minha surpresa, não encontrei nenhum livro psicoterapêutico direcionado para esse público.
Eu sentia falta de um material de apoio para trabalhar a ansiedade, mas que os adolescentes se interessassem também.
Dessa forma, surgiu a ideia de criar um livro em quadrinhos para falar sobre pensamentos disfuncionais, os quais são pensamentos que geram ansiedade.
Acredito que o conteúdo dos livros pode fazer a diferença no comportamento dos adolescentes, principalmente na questão da interpretação de situações, que podem gerar sentimentos negativos e disfuncionais, reproduzindo comportamentos desfavoráveis à sua construção social.
Victor Hugo Cavalcante: Como você equilibra a abordagem lúdica das histórias em quadrinhos com a parte teórica apresentada no final de cada livro? Qual é o objetivo principal dessa combinação?
O objetivo principal é criar o interesse no adolescente e pré-adolescente para a leitura.
Alguns assuntos são difíceis de serem abordados, mas, se eles forem abordados criativamente e conseguirem criar uma identificação com o leitor, facilitará o envolvimento da pessoa no conteúdo explorado.
A história em quadrinhos se passa na escola, e as situações são bem comuns na rotina diárias dos jovens; isso faz com que eles se identifiquem com o personagem, facilitando o interesse e a aprendizagem.
Victor Hugo Cavalcante: Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao desenvolver esses livros em quadrinhos para adolescentes, e como você os superou para garantir que as mensagens e atividades fossem eficazes na promoção da inteligência emocional?
A principal dificuldade foram as ilustrações, pois sou péssima desenhista (Risos)!
Foi difícil encontrar um profissional com um portfólio que combinasse com a mensagem do livro, mas consegui encontrar pessoas que me ajudaram a criar os personagens e dar vida à história.
Era muito importante criar personagens nos quais os adolescentes conseguissem criar uma conexão, esse foi o maior desafio.
Victor Hugo Cavalcante: Como você enxerga o papel dos pais, educadores e psicoterapeutas na utilização desses e outros livros como ferramentas para dialogar e auxiliar os adolescentes em questões emocionais?
O adolescente e o pré-adolescente precisam de uma rede de apoio forte e segura.
Para isso, é necessário que as pessoas que fazem parte dessa rede tenham acesso ao que se passa com eles.
Uma vez, uma pré-adolescente de nove anos leu o meu livro Nem pense nisso!; nesse livro a personagem é excluída de um grupo social e acredita que ninguém se importa com ela.
O pai então perguntou se isso acontecia com ela na escola.
Ela abaixou a cabeça e respondeu que sim.
Esse pai me relatou que o livro criou uma oportunidade de entrar em questões que ele desconhecia, e que estavam trazendo muita angústia para a filha.
O livro foi uma ferramenta importante para que ele entrasse em uma temática que não havia sido possível até então.
Essa é a ideia, e pode ser utilizado por qualquer pessoa ou profissional que deseja conhecer melhor os sentimentos do leitor.
Victor Hugo Cavalcante: Pode compartilhar um exemplo específico dos seus livros que você considera particularmente eficaz na promoção do autoconhecimento e na compreensão das emoções pelos adolescentes?
Um dos meus pacientes, quando leu os pensamentos disfuncionais na capa do livro Como assim?, ficou bravo comigo porque disse que eu havia escrito um livro sobre ele!
Aí expliquei que outros adolescentes tinham os mesmos pensamentos disfuncionais que ele, isso fez com que tivesse a consciência de que esses pensamentos realmente eram disfuncionais, e não verdadeiros.
Outro pré-adolescente apontou uma personagem e disse “essa garota pensa igualzinho a mim”.
Ele tinha certeza de que ninguém se importava com ele, apesar de ter amigos e uma família amorosa.
Dizia que não tinha nenhuma qualidade ou ponto forte.
A partir daí, trabalhamos questões importantes sobres si e a construção da sua identidade.
Ele conseguiu fazer uma análise das situações de uma forma diferente, aumentando a autoestima e o seu comportamento social.
Ele me disse, na ocasião: “precisamos avisar as pessoas de que cada um tem a sua história, e as pessoas não podem ser julgadas apenas por um comportamento isolado, se você não conhece a história dela, não vai entender”.
Victor Hugo Cavalcante: Na sua opinião, qual é o impacto potencial desses livros na qualidade de vida e no bem-estar emocional dos jovens, e como você espera que eles sejam recebidos pelo público-alvo e pela comunidade profissional?
Meu objetivo agora é que esse livro entre nas escolas.
Tenho trabalhado nesse sentido, porque acredito que abordar questões socioemocionais na escola pode até mesmo diminuir o bullying e a violência.
Como?
Através da construção de uma identidade forte e análise consciente das situações.
Cada um constrói uma visão de mundo conforme a sua história, medos e inseguranças.
Trabalhar esses pensamentos faz com que você mude o seu comportamento em relação às pessoas.
Por exemplo, quando encontramos campanhas sobre bullying nas escolas, dizemos “não faça bullying!”.
Porém, isso nós não conseguimos controlar, pois não se pode controlar o comportamento do outro.
Mas quando dizemos “se alguém fizer bullying com você, o que você vai fazer a respeito? Como lidar com isso de uma forma saudável?”, isso é inteligência emocional.
Podemos controlar nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos, e é isso que precisamos ensinar, para os jovens poderem ter qualidade de vida consigo mesmo e com as outras pessoas.