Ananda Botelho Mendes, carioca conhecida como A Carioca do Fado, traz toda a delicadeza do gênero português em um espetáculo singular no dia 22 de março.
Especializada na canção lisboeta, Ananda apresentará clássicos da música portuguesa que ecoaram nas vozes de grandes intérpretes como Amália Rodrigues, Ângela Maria e Francisco José.
Em uma jornada musical sensível e cativante, Ananda conduzirá o público por um universo feminino rico em histórias e emoções.
Seu repertório, composto por canções e marchas, é uma verdadeira viagem pela trajetória do fado, repleto de narrativas pitorescas e personagens inesquecíveis.
Enquanto você se prepara para uma experiência que transcende fronteiras e celebra a essência dessa arte tão marcante, que tal conhecer um pouco da artista e suas apresentações fadistas nessa entrevista exclusiva?
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro é um prazer recebê-la no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: Como foi a transição de uma variedade de estilos musicais, como rock, pop-rock e flamenco, para o fado e a guitarra portuguesa? O que a inspirou a explorar esse gênero tão distinto?
Ananda Botelho Mendes: Obrigada, Victor Hugo, é um prazer para mim também!
Essa transição foi muito natural.
Eu já havia transitado por um monte de estilos e lançado o meu primeiro álbum, Força da Natureza, mais voltado para o pop, mas com diversas influências.
Quando o fado entrou na minha vida foi algo que me tocou num nível profundo e eu não imaginava que ia se tornar meu caminho profissional.
Só que a paixão foi crescendo e muito naturalmente as coisas foram acontecendo.
Eu percebia que eu tinha uma facilidade especial para os floreios específicos do fado, além da grande identificação que eu sentia com as letras e com a emotividade do estilo.
Cada vez mais as pessoas começaram a me procurar para cantar em eventos, gravar fados autorais…
Então pude realmente mergulhar nesse universo!
A guitarra portuguesa, sendo o instrumento típico do fado e raríssimo no Brasil, acabou entrando na minha vida como uma forma de ter mais autonomia no estilo, e se tornou uma paixão.
Victor Hugo Cavalcante: Qual foi a experiência mais marcante durante sua turnê por Portugal? Existem diferenças significativas entre se apresentar em casas de fado no Brasil e em Portugal?
Difícil dizer, foram tantos momentos maravilhosos!
Um dos pontos altos, certamente, foi eu cantar em algumas das casas de fado mais tradicionais, como O Faia, a convite da Lenita Gentil (uma das minhas grandes referências no fado), e como o Café Luso, a convite do meu amigo Pedro Moutinho, grande fadista.
Outro ponto foi eu poder cantar pela primeira vez uma desgarrada (modalidade em que dois fadistas se revezam cantando letras diferentes numa mesma música) com uma fadista da nova geração que admiro muito, a Jessica Fernandes.
A diferença principal entre se apresentar aqui e lá é que lá eles têm toda uma forma de preparar o ambiente e organizar o funcionamento dos jantares de modo a priorizar a apreciação musical.
O público fica em silêncio, as luzes ficam baixas, não há serviço enquanto se canta, etc.
Essa combinação de fatores sustenta o ambiente perfeito para a magia do fado acontecer, algo que só quem experimentou sabe.
Temos pouquíssimos espaços voltados para o fado no Brasil, então é mais raro os estabelecimentos toparem se adaptar a esse formato, o que é uma grande pena.
Sempre que um estabelecimento se propõe a oferecer uma noite de fados à moda de Lisboa, oferece uma experiência única e o público fica fascinado.
Funciona muito bem!
Victor Hugo Cavalcante: Como é o processo criativo ao compor músicas de fado? Você se inspira em alguma experiência pessoal ou história específica ao escrever suas canções?
Sim, conectar as composições com as minhas próprias histórias é bastante importante.
E às vezes encontro metáforas para falar das minhas próprias histórias, uso os personagens típicos do fado para falar de mim…
Tento trazer a minha escrita o máximo possível para dentro dos parâmetros específicos do fado, mas gosto que a história carregue algo de original.
Victor Hugo Cavalcante: Como você vê o papel da mulher na cena musical brasileira, especialmente em gêneros tradicionalmente dominados por homens, como o fado e o flamenco?
Olha, é um pouco complicado porque aqui no Rio de Janeiro sou a única mulher trabalhando atualmente com o fado.
E mesmo músicos com repertório de fado não temos muitos.
Mas, de qualquer forma, o meio musical, em geral, ainda é predominantemente masculino.
Acho essencial que as mulheres contem as suas histórias e se apropriem de suas visões artísticas, o que nem sempre é fácil.
No entanto, nesse caminho encontrei grandessíssimos parceiros e amigos, homens que apoiaram e apoiam o meu trabalho com total respeito: compositores, músicos, produtores.
Victor Hugo Cavalcante: Além da música, você tem experiência em dança, artes visuais e terapia. Como essas diferentes formas de expressão se complementam em sua vida artística?
Atualmente tenho tido bem menos tempo do que eu gostaria de dedicar a essas outras modalidades. (Risos)
As artes visuais certamente são sempre uma carta na manga para divulgar o trabalho com a música, que hoje em dia depende muito do apelo de imagem.
Sempre gostei dessa conexão entre música e imagem e acho que é uma combinação bastante eloquente.
Victor Hugo Cavalcante: Quais são seus próximos planos em termos de carreira musical? Você cogita explorar novos gêneros ou continuar aprofundando-se no fado?
Não posso falar muito ainda, mas já posso adiantar que tem uma parceria compositor-intérprete muito especial em andamento!
O Agenor de Oliveira é compositor da Portela, parceiro do Nelson Sargento e do Delcio Carvalho, e está com uma leva de fados autorais ótimos que lançaremos nas plataformas digitais este ano.
Em termos de estilo, minha busca é mergulhar continuamente na raiz do fado e trazer um trabalho cada vez mais fiel para o público brasileiro.