A paralisação nacional das ações relacionadas à autorização para cultivo de cannabis para usos medicinais, farmacêuticos e industriais provoca uma crise entre dezenas de associações de pacientes que fazem tratamento com cannabis medicinal, e reforça uma grave insegurança jurídica no setor.
A suspensão foi decidida há quase um ano pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), após a admissão de Incidente de Assunção de Competência (IAC) sobre o pedido de uma empresa de biotecnologia que quer importar sementes de cânhamo para exploração industrial.
O advogado especialista em Direito Canábico Ladislau Porto, do escritório Dantas e Porto, explica que a suspensão contraria entendimento do próprio tribunal, que já informou, por meio de sua Ouvidoria, que a IAC não impacta “em nenhuma ação penal e também não suspende o andamento de processos de associações de pacientes”.
“Estamos recorrendo dessa suspensão, que dura quase um ano, e o recurso deve chegar ao STJ. Essa insegurança jurídica expõe os responsáveis pelas associações a risco de prisão e os pacientes, a risco de desabastecimento e piora significativa no quadro de saúde”, comenta Porto.
No Brasil, das 137 associações dedicadas ao suporte de pacientes que necessitam de tratamentos à base de cannabis, apenas 16 possuem autorização legal para operar.
Este cenário, que já é desafiador, fica agravado pela suspensão da tramitação de ações de dezenas de associações que lutam na Justiça pelo direito de cultivo.
“O trâmite desses processos já é demorado, com essa suspensão, tudo fica paralisado, aumentando o tempo de espera e o risco para todos os envolvidos. Mas os pacientes não podem esperar”, explica o advogado.
Milhares prejudicados
Entre as entidades afetadas pela suspensão estão o Instituto Nacional de Pesquisa, Ciência e Tecnologia da Saúde e Tratamento Medicinal CuraPro Acolhe, a Associação Alternativa de Apoio à Cannabis Medicinal do Brasil e a Acolher Macaé, que, juntas, atendem cerca de 10 mil pacientes.
Segundo Porto, a insegurança jurídica aumenta o risco de interrupção do tratamento para os associados; o risco de prisão para os responsáveis pelas associações e o risco de perda da produção das entidades.
Denise de Mello Fogel Soares (foto acima), presidente da Acolher Macaé, explica que a suspensão traz uma insegurança muito grande para os trabalhadores da associação e para os pacientes.
“Todos se arriscam para ajudar a milhares de vidas em sofrimento. As associações desempenham um papel de extrema importância no tratamento de várias patologias, como epilepsia, fibromialgia, Parkinson, Alzheimer, câncer e TEA. Atendemos pessoas que não têm como importar o remédio, nem mesmo como pagar pelo produto desenvolvido na associação. Tirar a medicação dessas pessoas representa um risco para a vida delas”, afirma.
Do total de 430 mil pessoas que usam remédios à base de cannabis no Brasil, segundo relatório Kaya Mind, 114 mil são atendidas pelas associações de pacientes.
“Essas entidades desenvolvem um papel social imprescindível, oferecendo o remédio a uma parcela da população que não tem condições financeiras de importar o medicamento. Cortar o tratamento dessas pessoas é roubar-lhes a dignidade e a qualidade de vida que o tratamento oferece”, completa o advogado.