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O que explica a escalada da hostilidade contra políticos?

De emoções coletivas à dinâmica das redes, psicólogos, sociólogos e analistas explicam por que a política se tornou um terreno de tensão crescente.

Ilustração feita por IA.

Ataques a líderes eleitos, como os recentes casos na Alemanha e no Equador, chamam atenção não somente pelo choque físico, mas pela raiva que mobilizam.

Como a sociedade chega a esse ponto?

Entre emoções intensas, disputas ideológicas e a velocidade da internet, o fenômeno revela camadas profundas de tensão social e política.

Quer entender por que a raiva contra políticos cresce cada vez mais na internet e fora dela?

Acompanhe as análises de psicólogos, sociólogos, jornalistas e especialistas em internet sobre os fatores emocionais, sociais e digitais que intensificam essa hostilidade.

Os mecanismos emocionais por trás da hostilidade política

Dr.ª Elaine Di Sarno, psicóloga e neuropsicóloga, é mestre em Ciências pela USP e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Crédito: Carlos Alkmin.

A psicóloga e neuropsicóloga Dr.ᵃ Elaine Di Sarno (foto acima), formada e mestre pela USP, analisa a hostilidade política por uma ótica psicológica:

“A figura de um líder político carrega, simbolicamente, a representação de poder, autoridade e responsabilidade coletiva. Quando esse líder é amplamente exposto — seja pela mídia ou pelas redes sociais — ele se torna alvo direto das projeções emocionais da população. Raiva e frustração costumam surgir quando há uma percepção de injustiça, descaso ou incoerência entre discurso e prática. Muitas vezes, os cidadãos transferem para esses líderes suas angústias pessoais e sociais, canalizando neles sentimentos que refletem um mal-estar mais amplo com as instituições ou com a sensação de impotência diante dos problemas do país.”.

Além disso, segundo a psicóloga, a polarização política intensifica uma lógica de “nós contra eles”, o que leva à construção de identidades políticas rígidas.

“Do ponto de vista emocional, isso ativa mecanismos de defesa, como: a idealização do próprio grupo e a demonização do outro, gerando hostilidade simbólica mesmo entre pessoas que nunca se encontraram.”

Essa divisão acentuada, conforme Di Sarno aponta, prejudica o diálogo e gera um ambiente constante de tensão, alimentado por medo, insegurança e necessidade de pertencimento.

“Tanto eleitores quanto líderes passam a reagir mais com emoção do que com racionalidade, impactando diretamente a saúde mental coletiva — aumentando ansiedade, irritabilidade e sensação de ameaça constante”, finaliza a neuropsicóloga.

Para avançar na compreensão dessa hostilidade emocional e identificar caminhos para sua mitigação, é fundamental analisar a relevância da imagem pública e do preparo dos políticos, tema que será abordado a seguir pelo jornalista e especialista em comunicação Marcelo Hespana.

Imagem e preparo: como políticos podem reduzir a hostilidade pública

Marcelo Hespana é escritor, jornalista e especialista em comunicação pública. Crédito da foto: Arquivo pessoal/Divulgação.

O jornalista e especialista em comunicação pública Marcelo Hespana (foto acima) discute como a cobertura midiática e as estratégias de imagem moldam a percepção pública dos políticos, destacando o delicado equilíbrio entre visibilidade e vulnerabilidade na política contemporânea.

“As estratégias de imagem, ou a falta delas, influenciam totalmente o nível de hostilidade contra os políticos. Temos como exemplo recente o que o uso de um boné, um componente até então quase não utilizado por políticos, gerou de discussão no cenário nacional e internacional. A construção de imagem é um trabalho complexo, pois cada detalhe da comunicação — corpo, roupa, olhar, postura e palavras — impacta a percepção do eleitor. Um político precisa estar preparado para gerar empatia e não hostilidade. E sim, isso é possível, ao menos para os não ufanistas.”

Ele acrescenta ainda sobre cuidados de comunicação e exposição pública:

“O cuidado é definido em uma só palavra: preparo. O improviso é a grande cilada dos líderes. Ter confiança é bom, mas se essa confiança for aliada a um bom preparo, a exposição pública pode ser menos arriscada e comprometedora. O despreparo e o improviso são as ferramentas mais potentes para se colocar em risco. Por isso, acredito que o media training 5.0, que prepara líderes para todos os tipos de comunicação, é um choque de realidade: mostra que o preparo gera empatia e conexão, e não o improviso.”

Fora dos palanques e das câmeras, a batalha pela reputação dos políticos acontece nas redes — onde algoritmos e emoções ditam o ritmo da polarização, e é sobre isso que abordamos no próximo tópico com Renato Cunha.

A escalada digital da raiva política

Com mais de 1 milhão de seguidores, Renato Cunha usa suas redes sociais para educar o público sobre prevenção a fraudes digitais. Crédito: Divulgação.

Para entender como a tecnologia amplifica a hostilidade política, conversamos com Renato Cunha (foto acima), especialista em meios de pagamento e segurança digital e proprietário da 3RMS.

Renato observa que o ambiente online contribui diretamente para a escalada de ataques.

Segundo ele: “Algoritmos de redes sociais priorizam conteúdos que geram engajamento e emoções intensas, como ódio ou indignação, que tendem a atrair mais atenção.”

Ele explica ainda que os sistemas usam dados de comportamento dos usuários para personalizar feeds, criando bolhas digitais onde as pessoas são expostas principalmente a conteúdos que reforçam suas próprias visões.

Isso amplifica narrativas polarizadas, especialmente contra líderes políticos, pois mensagens de ataque ou indignação são mais propensas a viralizar.

“Por exemplo, posts sensacionalistas ou emocionalmente carregados sobre políticos muitas vezes ganham tração rápida, já que algoritmos identificam e promovem esse tipo de conteúdo para manter os usuários na plataforma por mais tempo”, complementa o proprietário da 3RMS.

Cunha detalha também que as plataformas intensificam a percepção de ameaça ou injustiça por meio de vários mecanismos, como:

  • Recomendações personalizadas: algoritmos sugerem conteúdos que se alinham às emoções e crenças do usuário, reforçando narrativas de injustiça ou vitimização.
  • Efeito de câmara de eco: Bolhas digitais limitam a exposição a perspectivas contrárias, criando uma visão distorcida da realidade que pode intensificar sentimentos de ameaça.
  • Amplificação viral: Conteúdos emocionalmente carregados, como denúncias ou acusações, são promovidos por algoritmos, alcançando grandes audiências rapidamente.
  • Interações em tempo real: Comentários e reações imediatas em posts podem escalar conflitos, incentivando ataques coordenados ou “cancelamentos”.
  • Desinformação e manipulação: a disseminação de narrativas falsas ou distorcidas, muitas vezes amplificada por bots ou contas coordenadas, pode inflamar percepções de injustiça, levando a ataques massivos contra figuras políticas.

A lógica do inimigo público: como a representação política transforma líderes em alvos

O sociólogo Guilherme Nafalski analisa como tensões sociais e crises de confiança transformam frustrações coletivas em violência simbólica — e, em alguns casos, física — contra políticos. Crédito: Arquivo pessoal.

A hostilidade contra líderes não nasce apenas de mágoas individuais, mas de camadas entrelaçadas: pressões ideológicas, conflitos sociais e o amplificador digital/midiático.

Compreender esse cenário é o primeiro passo para proteger a democracia e fortalecer a convivência pública.

Para o sociólogo Guilherme Nafalski (foto acima), mestre pela USP e doutor pela Unicamp, a hostilidade contra figuras políticas é parte de um fenômeno estrutural que acompanha a própria ideia de representação.

Ele explica que “a animosidade contra políticos não é nada novo na história. Como exemplo, podemos citar a Revolução Francesa, que levou à decapitação de monarcas.”

Segundo Nafalski, a raiz estrutural do problema está na forma como a representação concentra símbolos e expectativas em um único corpo:

“Quando aceitamos, em sociedade, que podemos ser representados, permitimos a existência de líderes, que acabam centralizando e concentrando ideias, ideologias, a simbologia do grupo. A partir da representação, são os líderes que são os alvos da revolta. Um símbolo da República foi a guilhotina, onde cortaram a cabeça do rei e da monarquia.”

Ele lembra ainda que essa lógica atravessa séculos:

“No Brasil, tanto Zumbi dos Palmares quanto Tiradentes tiveram suas cabeças expostas em praça pública como uma forma de que aquilo não se repetisse — como uma forma de que o exemplo do líder não fosse seguido, ou seja, não fossem criadas novas lideranças que pudessem querer fazer o mesmo.”

Para o sociólogo, a própria estrutura dos governos representativos — sejam monárquicos ou republicanos — cria essa centralidade:

“A derrocada do líder significa a queda do grupo, do regime.”

E completa com exemplos contemporâneos:

“Eu dei os exemplos antigos, mas podemos trazer exemplos modernos, como nos EUA, onde quatro presidentes já foram assassinados, e no Oriente Médio, onde tanto Saddam Hussein quanto Osama Bin Laden foram assassinados como forma de derrubar seus governos.”

Sobre o papel da polarização e da desconfiança nas instituições na intensificação da hostilidade, Nafalski aponta que o fenômeno não é exatamente novo:

“Já houve momentos de menor ou maior polarização. O que pode ser pensado em relação a isso é que, quando você tem dois polos opostos, você tem um inimigo claro. Quando há pluralidade, você tem diversas lideranças de grupos menores e talvez seja menos útil eliminar um inimigo. Isso fortalece, inclusive, a ideia de regimes democráticos, em que há alternância de poder, em relação a governos autoritários. É mais difícil ver assassinatos assim em regimes democráticos, e nos assustamos quando vemos notícias de prefeitos ou parlamentares assassinados.”

Ele também destaca que a confiança institucional é central para conter a escalada de ataques:

“Quando você confia no sistema representativo, quando você confia na democracia, na possibilidade de alternância do poder, você não precisa destituir fisicamente o opositor ou tratá-lo como inimigo, porque você sabe que ele vai passar por um determinado tempo no poder e vai sair. Ele não precisa ser derrubado. Pode simplesmente perder a competição. Se você conhece a regra do jogo, você sabe: daqui a tantos anos, você compete de novo. A democracia facilita não ser necessária a guerra.”

“Claro que há necessidade de regras claras para a competição. Se você não tem essa regra clara ou se não há possibilidade de alternância de poder, como em regimes autoritários, é muito mais comum que se apele para a violência física”, finaliza o sociólogo.

A radiografia da hostilidade política mostra que não se trata de um fenômeno isolado nem espontâneo.

É o resultado de uma combinação explosiva entre um cenário social marcado por desigualdades, ambientes digitais que amplificam afetos extremos e uma crise prolongada de confiança nas instituições.

As análises reunidas nesta reportagem revelam que ataques — simbólicos ou físicos — surgem quando emoção, representação e percepção de ameaça se embaralham.

Psicólogos explicam como frustrações individuais encontram um alvo concreto nos líderes para sentimentos de impotência.

Especialistas em comunicação mostram que a construção (ou falha) da imagem pública pode acender ou apaziguar tensões.

Profissionais da área digital apontam a engrenagem algorítmica que recompensa a indignação e reforça bolhas.

E a sociologia lembra que, em sistemas representativos, líderes se tornam a superfície onde toda essa energia se concentra.

Se há um fio comum entre essas perspectivas, é a necessidade urgente de reconstruir espaços de confiança — nas instituições, no debate público e na própria noção de representação.

Sem isso, a política corre o risco de seguir refém de impulsos emocionais, narrativas distorcidas e confrontos que extrapolam o campo das ideias.

Mitigar a hostilidade não depende de uma única solução, mas de múltiplas frentes: educação midiática, maior preparo comunicacional de lideranças, fortalecimento das regras democráticas, combate à desinformação e criação de canais efetivos de participação social.

Quando esses pilares se sustentam, o conflito volta ao seu lugar legítimo — o da divergência democrática, e não o da eliminação do adversário.

Porque, no fim, o que está em jogo não é apenas a segurança de figuras públicas, mas a saúde da própria vida cívica.

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