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O moinho de palavras de Eduardo Barchiesi

Com lirismo e ironia, o autor de Vida Moinho transforma o cotidiano em poesia, revelando as dualidades da existência com palavras afiadas.

Foto do escritor entrevistado.

Eduardo Barchiesi, paulistano nascido em 4 de abril de 1944, é engenheiro, mestre e doutor em metalurgia pela Politécnica USP, além de bacharel em Letras pela FFLCH USP.

Com uma carreira que inclui a docência e a engenharia, foi apenas em 2004 que começou a publicar textos literários, passando a se dedicar integralmente à poesia em 2008.

Atualmente, integra a equipe de poetas da Fazia Poesia e já publicou treze obras, abrangendo romance, conto, literatura infantil e poesia.

Sua estreia literária foi com o romance Demanda Furibunda (2005), mas é com o livro Vida Moinho que ele explora a complexidade do cotidiano, mesclando o trágico e o cômico com sua escrita afiada e sensível.

A interação com as artes plásticas e o Modernismo, segundo o autor, gerou uma verdadeira “mixórdia” em seu pensamento, que transparece na poesia de Vida Moinho.

Nesta entrevista exclusiva, Barchiesi aborda o processo de criação de Vida Moinho e como o utiliza sua própria experiência de vida para criar poemas que falam da condição humana com uma sinceridade desconcertante.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, agradecemos por nos conceder essa entrevista e gostaríamos de perguntar: Sua trajetória inclui desde a engenharia à literatura, passando por diferentes gêneros e formatos. Em que momento a poesia se impôs como prioridade na sua vida literária?

Eduardo Barchiesi: Sou grato também pela gentileza do convite.

Não consigo definir um momento específico.

Foi, é e espero continuar sendo, a oportunidade de viver o processo de entendimento da força da poesia como manifestação artística capaz de representar pela palavra a complexidade da vida de maneiras tão multifacetadas.

Pela sonoridade das palavras, pela cadência das palavras, pela ambiguidade do significado das palavras, pela brevidade ou extensão do texto, pela disposição topográfica das palavras na página.   

Victor Hugo Cavalcante: Vida Moinho transita entre o trágico e o cômico com uma ironia afiada. Como surgiu a ideia de explorar a subjetividade humana a partir dessa dualidade, em especial nas pequenas cenas do cotidiano?

Essa dualidade é dada pela existência. A luz e a escuridão. O calor e o frio. A ordem e o caos. O bem e o mal. O cômico e o trágico.

E a existência existe pelo somatório das pequenas cenas da cotidianidade.

Olhar atenciosamente esse dia a dia predispõe o pensamento à poesia.

Victor Hugo Cavalcante: Você costuma brincar com o que é considerado banal, revelando camadas de complexidade nas relações humanas. Como esse olhar se formou ao longo do tempo — e em que medida ele se reflete nos temas e tons do livro Vida Moinho?

O banal, o vulgar, o insignificante tem poder para desnudar o incomum, o insólito, revelando sua real essência.

Sua grandeza ou sua insolência.

Certamente ele é fruto da minha experiência de vida no geral.

Social, profissional, amorosa, como filho, pai, avô, e não há como impedir que ela transpire em meus escritos.

O poema Filantropismo pode ser citado como exemplo.

Victor Hugo Cavalcante: Em Letras Fatais, você descreve com humor e acidez a recepção do seu texto até pelas traças. O que esse poema diz sobre a sua visão da literatura e da relação entre autor, texto e leitor?

Pode ser uma autocrítica negativa quanto à qualidade literária do trabalho do autor.

Ou seria uma tentativa de captar a benevolência do leitor?

Victor Hugo Cavalcante: Ainda no poema Letras Fatais, há uma tensão entre o silêncio e a palavra, entre o espaço em branco e a letra. Essa ideia percorre outros poemas do livro? Como você trabalha esse contraste na composição?

A tensão entre o dito e o não dito nasce da atração entre os referidos opostos, tal qual pode existir entre o dito e o contradito, bipolaridade geradora de força atrativa de contrários.

Como amor e desprezo; vida e morte, o grito e o silêncio, o sim e o não.

Essa ideia está presente em alguns poemas do livro.

O soneto que abre o livro pode ser citado como exemplo.

Victor Hugo Cavalcante: Seu estilo mescla humor, lirismo, crítica e uma linguagem apurada. Como foi o processo de lapidação poética em Vida Moinho e quais autores ou experiências influenciaram mais diretamente essa construção?

O livro surgiu de poemas escritos ao longo do tempo, sem haver um projeto previamente concebido.

Em dado momento, foram reunidos, revistos, alguns reescritos, outros deixados de lado e nasceu o livro.

Livro que alinha experiências da vida da pessoa poeta, como em Amor crepuscular, mescladas com criações da persona poética da pessoa poeta, como em Pavio curto.

Alguns poemas dialogam com obras de autores como Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Agenor de Oliveira.

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