Crédito da foto principal: Divulgação.
Lalin Witch é o nome artístico de Luana Quintanilha, artista plástica nascida nos anos 2000 em Niterói–RJ.
Reconhecida por sua produção sensível e visceral, Lalin constrói uma trajetória marcada pela exploração da psique contemporânea, com destaque para temas como ancestralidade, identidade e fragilidades emocionais da geração atual.
Com obras que transitam por diferentes materiais e suportes, a artista já participou de exposições individuais e coletivas em cidades como Nova Friburgo, Rio de Janeiro e Niterói — incluindo mostras de destaque como Unodiverso, Sobre o que ninguém quer falar, Oblívio: entre jura e dádiva e Offence.
Sua arte propõe uma imersão simbólica no subconsciente e busca provocar um mergulho íntimo no espectador, sem filtros, em um tempo marcado pela hiperconectividade e relações efêmeras.
Com uma abordagem autoral que alia crítica social e sensibilidade poética, Lalin Witch se consolida como uma das jovens promessas da arte contemporânea brasileira.
Agora com a exposição Onde Eles Não Têm Vez, a jovem artista explorará os sentimentos, as revoltas e as aceitações que foram e são necessárias para uma pessoa se conhecer e chegar ao entendimento de que merecemos a oportunidade de deixar nossa marca nesse mundo.
E nessa entrevista, Lalin Witch nos explica mais da exposição, as obras e o conceito por trás da exposição.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, agradecemos por nos conceder mais uma entrevista e gostaríamos de perguntar: O título da exposição, Onde Eles Não Têm Vez, é direto e carregado de significado. Quem são esses “eles” que não têm espaço em suas obras — e como essa ausência se manifesta visual ou simbolicamente na narrativa da mostra?
Lalin Witch: É sempre uma grande honra para mim ser contemplada com uma entrevista com vocês, tendo esse espaço para compartilhar e esclarecer um pouco mais sobre quem sou, tanto como artista quanto como ser humano.
Esta exposição surge envolta por essa incógnita: quem são “eles”?
Bom, sempre acreditei que a arte se baseia na interpretação individual, você encara a obra diante de si e nela percebe algo singular, pois não existe ninguém que pense exatamente como você.
Escolhi o título da exposição imaginando que todas as pessoas que adentrassem as salas dos Correios enxergassem tudo, exceto intransigência, preconceito, intolerância ou qualquer coisa que as fizesse sentir diminuídas.
Aqueles que desacreditam do potencial alheio, questionam escolhas de vida e menosprezam sentimentos… essas pessoas não encontrarão eco onde expresso minha arte.
Victor Hugo Cavalcante: Você convida o público a uma jornada de autoconhecimento “sem filtros”. Como foi o seu próprio processo emocional e criativo ao construir essa exposição tão íntima, e o que descobriu sobre si mesma nesse percurso artístico?
Para ser bem sincera com você, Victor, e com todos os leitores, foi desgastante.
Mas quando é que fazer algo significativo para si mesma não exige esforço?
Cada obra, cada cor e cada traço foram construídos junto a um mergulho interno, eu precisava me compreender para conseguir traduzir em pintura o que pulsava dentro de mim.
Acredito que toda vez que você assimila algo novo, há um crescimento pessoal e isso também vale para a arte.
A cada estudo que faço para representar da forma mais genuína possível meus sentimentos, evoluo como pessoa e amadureço como artista.
Talvez por isso minha relação com a inteligência artificial seja um pouco conturbada, trata-se de uma ferramenta programada para fornecer respostas diretas.
Mas a arte nunca foi sobre respostas, ela sempre provocou perguntas.
É justamente esse poder de introspecção que a torna tão impactante.
Foi por meio da arte que me deparei com feridas ainda abertas, com pessoas que talvez eu tenha ferido, e com dores que ainda não se dissolveram.
Todo ser humano precisa se transformar para evoluir e descobrir o lugar onde quero atuar foi uma das maiores bênçãos que essa exposição me proporcionou.
Victor Hugo Cavalcante: Sua veia artística se apoia em memórias emocionais e na ancestralidade como força propulsora. De que forma essas camadas afetivas e históricas se transformam em elementos visuais, materiais ou simbólicos nesta nova fase do seu trabalho?
Cresci acreditando que expressar intensamente meus sentimentos era algo negativo, chorar significava fragilidade, e se vulnerabilizar ao amar, um risco perigoso.
Com o tempo e um trabalho profundo sobre mim mesma, percebi que possuir uma sensibilidade aguçada e saber demonstrá-la é, na verdade, uma dádiva.
No entanto, uma bênção reprimida pode se transformar em tormento.
Ainda hoje, em pleno 2025, é desafiador para muitas mulheres serem levadas a sério no meio artístico e, infelizmente, isso se estende a tantos outros espaços profissionais.
Não cheguei até aqui sozinha, ocupo este lugar porque outras mulheres vieram antes de mim, resistiram e, mesmo silenciadas, seguiram falando.
Já tentei me encaixar em moldes impostos, sufocando minha essência, e sei o peso brutal que isso tem.
Negar quem sou é, também, ignorar todas as lutas que pavimentaram o caminho que hoje trilho.
Prometi a mim mesma que nunca mais me diminuirei para ser mais palatável.
Victor Hugo Cavalcante: Com curadoria de Paula Ramagem, a exposição propõe uma experiência de reconexão com o eu interior. Como foi essa parceria e de que maneira a curadoria contribuiu para expandir ou moldar a potência do seu discurso artístico?
Essa exposição não teria se concretizado sem ela e afirmo isso com certeza, sem titubear.
Paula é uma pessoa única, e isso se reflete com clareza em seu trabalho, que, aliás, é admirável sob todos os aspectos.
Assim como o artista se empenha em extrair o máximo da sua criação, o curador tem a missão de conduzir uma exposição ao seu potencial mais elevado.
E a Paula Ramagem faz isso com excelência, mais do que isso, ela me ofereceu a chance de crescer no cenário artístico, algo quase inalcançável para alguém tão jovem quanto eu.
Foram raras as ocasiões em que pude afirmar com convicção que sabia o que estava fazendo, pois todos lidamos com incertezas ao longo do caminho.
Mas um desses momentos foi, sem dúvida, nas exposições que realizei com a Paula.
Ela me traz firmeza sobre a trilha que escolhi e me impulsiona a alcançar minha versão mais autêntica.
Tenho um carinho imenso por ela e desejo, de coração, que nossa parceria se prolongue por muitos e muitos anos.
Victor Hugo Cavalcante: Apesar da sua trajetória ainda jovem, você já acumula passagens por importantes exposições e galerias. O que torna Onde Eles Não Têm Vez um marco diferenciado na sua carreira até aqui, tanto em termos de conceito quanto de entrega artística?
Essa pergunta é capciosa, porque sempre me esforço para entregar tudo de mim em cada exposição.
Gosto de acreditar que a maneira como faço qualquer coisa reflete a maneira como conduzo tudo na vida: com afeto, delicadeza e determinação.
No entanto, o grande diferencial desta mostra, em termos de conceito, é justamente a entrega absoluta aos meus princípios.
Em todas as exposições anteriores, mesmo revelando quem sou, havia um certo receio de que minhas obras e ideias pudessem causar desconforto ao público, afinal, tratam de temas sensíveis e íntimos, e nem todos estão prontos para encarar suas próprias verdades.
Nesta, porém, consegui ser inteiramente honesta, tanto com quem visita quanto comigo mesma, impregnando cada espaço com meu universo interior.
Deixei expostas minhas dores, alegrias e os estigmas que ainda carrego.
É gratificante poder dizer que fui fiel à minha essência e ao meu propósito.
Outro aspecto marcante foi o tempo de maturação.
Sem dúvida, essa foi a exposição em que tive mais espaço para desenvolver minhas obras, e minha curadora, Paula Ramagem, teve a mesma liberdade para aprofundar o conceito.
Todos sabemos que a pressa é inimiga da excelência e ver os frutos que nascem quando se respeita o tempo necessário é algo que me emociona.
Por isso, é com entusiasmo verdadeiro que convido todos a conhecerem a exposição Onde Eles Não Têm Vez, no Centro Cultural dos Correios de Niterói, a partir de 05/07.
Victor Hugo Cavalcante: Vivemos em uma era marcada pela hiperconectividade, excesso de informações e relações cada vez mais efêmeras. Em meio a esse cenário, a exposição Onde Eles Não Têm Vez propõe uma pausa e um mergulho interior. Que tipo de transformação ou reflexão você espera provocar no visitante ao conduzi-lo por esse caminho de reencontro com a própria essência?
Espero que cada pessoa que visite a exposição — independentemente de idade, etnia, gênero ou sexualidade — saia de lá com a certeza de que não está sozinha.
Ser diferente é, muitas vezes, um caminho doloroso, e o que mais machuca é a solidão que isso pode provocar.
A sociedade teme o que escapa ao controle e, por isso, tenta forçar todos a caberem em moldes estreitos, que não nos representam.
Meu desejo é que, ao se depararem com minhas obras, aqueles que se sentem deslocados compreendam haver conexão.
Onde eles não se reconhecem em ninguém, que se percebam refletidos em mim, e onde sentirem que não têm a quem confiar, que encontrem em mim essa presença.
E onde faltar acolhimento e empatia para com suas dores, que sintam minha mão estendida.
A chama de uma vela não se apaga ao acender outra, a cada passo que dou, levo comigo todos os estranhos e desencaixados que puder, rumo a um caminho de aceitação.
O único trajeto que realmente importa é aquele que nos conduz de volta a nós mesmos.
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