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Flávia Renault revela a essência de sua nova exposição

Descubra as inspirações e memórias que moldam a exposição Roda das Deidades, na primeira mostra individual da artista em Belo Horizonte.

Foto da artista plástica e entrevistada do dia Flávia Renault.

Flavia Renault é graduada em Artes Plásticas pela FAAP.

Logo após a graduação deu a volta por terra pelo Brasil com o Projeto Contorno, resultando em dois livros incentivados pela Lei Rouanet, em 1999.

Partindo de questões existencialistas, com ocorrências metafóricas do conceito de renascimento, sua obra é marcada por uma característica cíclica.

Pela revisitação de memórias pessoais, familiares e até mesmo ficcionais, seu trabalho comumente apresenta resíduos encontrados e objetos colecionados.

Das exposições mais recentes, vale destacar a individual Arquipélago, no Centro Cultural Correios de São Paulo, em 2023, as coletivas Três Marias, no Centro Cultural Correios do Rio de Janeiro, em 2024, e Toda Volta, na Galeria Babel, em São Paulo, no ano de 2023.

Carioca de nascimento e residente em São Paulo desde a juventude, Flavia Renault vem de uma família mineira marcada por mulheres artistas.

Foi em Belo Horizonte que ela teve seu primeiro vínculo com as artes visuais e é nesta cidade que ela encontra uma segunda morada.

E é também na capital mineira que a artista está apresentando sua exposição individual intitulada Roda das Deidades.

Contemplada no Projeto Galerias — Artes Visuais da UFMG, esta é a primeira individual da artista em Belo Horizonte, território tão importante para sua formação artística e pessoal.

Flavia Renault apresenta a exposição no Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais, com curadoria de Paula Borghi, trazendo sete peças em escala humana, realizadas com algodão cru, e, gavetas antigas de madeira, ao lado de outras obras, mostrando uma influência fortemente religiosa e do Barroco Mineiro, expressões que marcam a exposição e sua pesquisa como um todo.

Em nossa entrevista, exploraremos a trajetória artística de Flavia Renault, as inspirações por trás de Roda das Deidades, e como suas experiências pessoais e familiares moldaram sua visão criativa.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer recebê-la no Jornal Folk. Gostaria de começar com a seguinte pergunta: Roda das Deidades é a sua primeira exposição individual na capital mineira. Como você se sente ao apresentar essa mostra em um território tão importante para sua formação artística e pessoal?

Flavia Renault: Nasci no Rio, filha de pai paulista, mãe, mineira e bisavô, pernambucano.

Como a música do Chico.

As férias eram longas, ora no RJ, ora, em BH.

Belo Horizonte sempre me marcou muito, a começar pelo nome, poético, como se não bastasse um horizonte, era ainda belo.

De SP até Belo Horizonte de carro, quando criança, imaginava quantas minas haveriam, se eram gerais?

Imaginava que se pudéssemos levantar as montanhas como peças de xadrez, encontraríamos, ouro, prata, esmeralda, diamante; tudo me causava fascínio.

Meus tios, que eram mineiros, usariam lampiões para enxergar em baixo da terra?

A casa da minha avó cheirava tinta, óleo e frango ao molho pardo, tinha uma mistura de fé e humor rara.

Eram muitos tios, muitos primos.

A arte estava sempre presente, a fé também, o presépio era tão lindo, lago de espelho, gruta de papel lixa, digno de bienal.

Minas é um lugar para mim, onde me lembro ser quem sou, tenho uma enorme alegria em apresentar meus trabalhos numa cidade que tanto me inspira e que, de certa forma, me forjou.

Victor Hugo Cavalcante: O título Roda das Deidades sugere uma conexão entre o divino e o feminino. Pode nos contar mais sobre como essa ideia se desenvolveu e influenciou suas obras?

Em algum lugar do meu entendimento sobre vida está sempre presente o divino.

Desde o respirar, até a falta de ar (tenho asma).

Estudo muito Antroposofia, Rudolf Steiner em algum livro descreve o homem como uma estrela de cinco pontas, gosto desta visão: Os pés presos a terra, a cabeça voltada para o cosmos e os braços para transformar o mundo, assim o fazer artístico, como os outros “fazeres”, carregam o gesto deste espiritual na terra.

Victor Hugo Cavalcante: A curadora Paula Borghi destaca a forte influência do Barroco Mineiro e da espiritualidade em sua exposição. Como esses elementos moldaram suas obras e sua pesquisa artística?

O barroco traduz não apenas uma estética, mas um modo de ver a vida, o qual é rebuscado, que dá volta em torno de si, caminha em círculos, com curvas arredondadas, embora carregue tanta dor, busca o intangível.

Victor Hugo Cavalcante: O texto curatorial menciona que a Roda das Deidades pode envolver seres invisíveis, forças, mulheres e Deusas. Pode explicar como essas diferentes influências se manifestam nas suas obras?

Roda das Deidades, pode ser desde uma roda de conversa, uma dança circular, uma ciranda, um jogo de criança como Corre Cotia, até Stonehenge; um círculo onde podemos ver todos os que o integram, supor outros, imaginar… que roda seria esta? Que forças? Quais são elas?

Entre mim e o outro há sempre um espaço, o que acontece nesse intervalo entre dois corpos?

Neste espaço do encontro mora o invisível.

Victor Hugo Cavalcante: Os materiais utilizados, como algodão cru e gavetas antigas de madeira, são bastante específicos. Qual a importância desses materiais para a narrativa que você busca contar?

Sou coletora, ou colecionadora desde sempre, os materiais usados nesta exposição são gavetas antigas, tenho muitas, muitas mesmo!

Vestidos feitos a partir de pano de chão sem alvejar, de algodão cru, em suma, madeira e algodão, têm uma busca pela simplicidade, por materiais que de certa forma falam da origem…

Victor Hugo Cavalcante: Paula Borghi descreve sua arte como uma “loucurinha lúcida” em colecionar elementos que outros podem considerar inúteis. Como você enxerga essa relação entre os objetos que utiliza e suas experiências pessoais?

Me lembro desta ideia de guardar, colecionar, organizar, ainda menina, tipo seis, sete anos.

Com 13, isso já era bem claro, pratos antigos, documentos, malas, principalmente o que era de família, um guarda-chuva da minha bisavó, fotos antigas de tios, cadernos de ortografia da minha avó, bilhetes.

Meu ateliê está organizado com esses elementos, em uma ordem hierárquica complexa, uma espécie de altar; minha casa também é organizada assim, são como prumo, faróis, espaços organizados de maneira a me lembrarem quem sou, o que é importante, o que vale a pena carregar, ou sobre o que pensar, o que busco, um olhar barroco para vida, de certa forma, instalativo.

Vida/instalação, vida/arte, um viver artístico, nada mais artístico neste mundo do que viver.

Victor Hugo Cavalcante: A exposição apresenta trabalhos inéditos produzidos entre 2022 e 2024. Como foi o processo criativo durante esse período, especialmente em relação aos desafios trazidos pela pandemia?

Produzi todos os dias na pandemia entre a loucura de limpar o chão e lavar as frutas.

Produzia com o que tinha, me lembro que, quando acabaram os papéis, tirei as portas de um armário antigo e comecei a pintá-las, a arte sempre me dá sentido, sustento.

Victor Hugo Cavalcante: O círculo é um símbolo central em Roda das Deidades, representando um arquétipo coletivo, segundo Carl G. Jung. Como você interpreta e utiliza esse símbolo em suas obras?

A Paula Borghi me ajudou muito na montagem deste círculo, fomos montando juntas, vestindo as gavetas, em pilhando uma em cima da outra, tornando-as “seres” e fazendo a roda, foi orgânico e de certa forma mágico, trabalho em equipe sempre é.

Victor Hugo Cavalcante: Paula Borghi menciona que os objetos da exposição têm uma carga simbólica e um poder de proteção, como amuletos. Você acredita que suas obras possuem um poder de cura ou transformação para os espectadores?

Acredito que a arte pode, sim, ser curativa.

Eu espero que a exposição Roda das Deidades possa proporcionar uma vivência para o observador.

Tem músicas que para mim traduzem todo um pensamento, algo que eu nunca consegui expressar, assim é também com a arte, o que o espectador vive muitas vezes tem mais do observador que do artista, é uma relação, um vínculo que se estabelece entre obra/espectador e que foge do artista.

Victor Hugo Cavalcante: A exposição inclui uma série de desenhos baseados em documentos familiares. Pode nos falar mais sobre essa série e a importância das memórias familiares em seu trabalho?

Tem algo na ancestralidade que me guia, não para o passado, para o futuro, algo como ouvir histórias, conto de fadas, fábulas.

Um pouco como uma cantiga de ninar ao fundo, não se ouve mais muito bem, mas ela nos embala.

Os documentos são muito velhos, estão comigo desde os meus 13 anos, estiveram com meu pai, minha avó, não importa mais o que dizem, vemos os rastros e assim podemos supor um novo caminho.

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