Em 1984 surgia em Belo Horizonte uma companhia de teatro que marcaria presença com sua linguagem poética por meio de teatro de bonecos e de uma mescla de danças, máscaras, circo e artes plásticas.
Nos seus 40 anos de existência, a Pia Fraus produziu dezenas de espetáculos, apresentando-se em 25 países diferentes nos principais festivais nacionais e internacionais de teatro.
Ao longo destes anos, o grupo tem se caracterizado por trabalhar com diversos diretores como Naum Alves de Souza, Hugo Possolo, Osvaldo Gabrieli, Carla Candiotto, Marcia Abujamra, Ione Medeiros, Francisco Medeiros, Wanderlei Piras e Adriana Telg, entre outros, realizando também experiências de coprodução e participação como em Babel Bum (1994/1995), com o grupo XPTO; Sinfonia Circense (1996), com o Acrobático Fratelli e a Orquestra Experimental de Repertório, sob a regência do maestro Jamil Maluf, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo e Terra Papagalis (2010) com o Balé da Cidade de São Paulo.
Atualmente a cia tem sede em São Paulo e roda todo o Brasil e alguns países do exterior com seus espetáculos.
Um destes espetáculos, Dinossauros do Brasil (foto principal), comemora as 4 décadas de existência da Cia, acontecerá no SESC Pinheiros.
Dinossauros do Brasil é um espetáculo gratuito sobre a extraordinária época em que os dinossauros brasileiros habitavam por aqui.
Agora, o diretor da Pia Fraus, Beto Andreetta trocou uma ideia conosco sobre o grupo teatral, seus espetáculos e muito mais.
Victor Hugo Cavalcante: Primeiro é um prazer recebê-los novamente no Jornal Folk, e gostaria de começar com a seguinte pergunta: A Pia Fraus completa este ano 40 anos de existência e possui uma carreira internacional consolidada, como você percebe a recepção do público estrangeiro em relação aos espetáculos da Cia, considerando especialmente a abordagem de temas tão específicos da cultura e da história brasileira?
Cia Pia Fraus/Beto Andreetta: Olá, Victor Hugo, muito obrigado pela oportunidade.
Vamos lá, apenas contextualizando, Pia Fraus é uma expressão do latim que quer dizer “uma mentira contada com boas intenções” e quem batizou a companhia com esse nome foi o Domingos Montagner, ator que entrou no grupo quando era outro nome e ele sugeriu Pia Fraus.
Infelizmente, Montagner faleceu em um afogamento quando gravava uma novela da Rede Globo.
A Pia Fraus tem um repertório grande, a maioria dos espetáculos versa sobre cultura popular brasileira, mas temos alguns que são sobre circo, circo popular, então, viajamos muito, principalmente com um espetáculo chamado Bichos do Brasil.
O Brasil é conhecido internacionalmente pelas florestas, pelos animais, assim, a gente já trata de um tema que o mundo reconhece como Brasil, então, esse entendimento de linguagem é muito facilitado por causa disso.
E também porque em vários dos nossos espetáculos a gente não utiliza texto, então, no Bichos do Brasil, são músicas brasileiras com grandes formas de animais e muita coreografia, é um espetáculo que tangencia a dança, é um teatro de bonecos com dança.
Acredito que o entendimento seja amplo no mundo inteiro por causa disso.
Já nos apresentamos na Ásia, Europa, América do Sul, América do Norte.
E percebo que as brincadeiras que fazemos são bem aceitas, fora ser algo muito brasileiro, algumas brincadeiras pelas quais muitas crianças passam nessa fase da vida são muito internacionais, então, conseguimos uma comunicação fluida internacionalmente porque partimos de bases muito conhecidas e reações humanas muito clássicas.
Victor Hugo Cavalcante: Ao longo desses 40 anos de trajetória da Pia Fraus, como você vê a evolução e o impacto do teatro de bonecos na cena cultural brasileira?
Reconheço que o teatro de bonecos, desde o tempo quando comecei em 1981 no teatro de bonecos, cresceu muito, tanto no espaço quanto de influência, o que a linguagem influencia e de grupos de muita envergadura, tem o Gira Mundo, o Sobrevento e muitos outros em São Paulo que é um lugar muito rico, podemos listar umas 30 cias. de teatro de bonecos na cidade de São Paulo.
Com as leis de fomento, ProAC, Lei Rouanet, tudo isso nos últimos anos incentivou muito o avanço da arte, a criação de grupos, então, percebo que o teatro de bonecos cresceu de uma maneira incrível. Ainda tem muito para crescer, para trazer de contribuição para as artes cênicas. A Pia Fraus já fez espetáculos de dança com grupos renomados como a São Paulo Cia. de Dança, Cisne Negro e o Balé da Cidade de São Paulo.
Percebo que o interesse veio da práxis dos grupos de teatro de bonecos que contagiam um pouco a dança, por exemplo.
Já criamos bonecos para espetáculos adultos, então, o espaço só cresce e tende a crescer muito porque é uma linguagem muito internacional, muito global, algo que o ser humano se identifica desde os tempos das cavernas.
O boneco, o símbolo, é muito presente, ele é muito potente.
Victor Hugo Cavalcante: O tema do meio ambiente e dos animais é central na proposta da Cia. Pia Fraus. Como você, enquanto diretor dela, enxerga o papel da Pia Fraus na conscientização ambiental e na promoção da valorização da fauna brasileira através das artes?
Esse é um tema que realmente nos apaixona.
De um tempo para cá, desde o Bichos do Brasil (2001), é um tema muito recorrente na nossa obra.
Por duas razões: A primeira delas é que eu tinha filhos pequenos quando fiz Bichos do Brasil e eu percebi a profunda identificação que o bicho tem com a infância, foi algo natural, percebo que a infância tem uma conexão com o mundo animal muito grande, muito forte, muito intensa.
A partir daí a gente percebeu essa temática, e, a segunda razão foi que, por consequência, veio a identificação com o Brasil.
Antes de a cia. fazer Bichos do Brasil, tínhamos muita preocupação com a cultura popular brasileira, o Brasil sempre foi assunto central para a Pia Fraus.
Depois que descobrimos os animais, passou a ser os animais do Brasil e junto a isso veio o discurso do meio-ambiente porque os animais estão vivendo uma extinção em massa, muitos animais silvestres do Brasil estão extintos ou caminham para a extinção porque a agricultura cada vez avança mais nas áreas, as cidades avançam mais e o ser humano não tem essa generosidade de convivência com a fauna natural dos lugares, isso se dá no Brasil e no mundo inteiro.
Então, é muito importante fazermos espetáculos com essa temática porque você chama a atenção de uma maneira delicada na infância que você incute um respeito e um carinho pela fauna e acreditamos que isso está colaborando profundamente com a manutenção do meio-ambiente.
Victor Hugo Cavalcante: O espetáculo Dinossauros do Brasil (que será apresentado no SESC Pinheiros, nos dias 20, 21, 27 e 28 de abril) visa atrair tanto crianças quanto adultos. Como a Pia Fraus trabalha a narrativa e a linguagem cênica para atender a esses diferentes públicos?
O espetáculo Dinossauros do Brasil é um desejo muito antigo e a gente persegue esse tema há uns dez anos.
Quando conheci o livro que se chama Dinossauros do Brasil, do Luiz Eduardo Anelli, o qual é o maior especialista no Brasil sobre os dinossauros, é um grande autor, um grande propagador desse assunto, me pareceu mais claro o que eu deveria fazer.
Ele defende, e eu também, que a pré-história, todo esse momento anterior ao que a gente conhece, faz a gente entender o nosso papel de finitude nesse mundo, que não somos a espécie principal que durará para sempre, que as coisas são finitas, que realmente estamos de passagem, o que pode durar milhões de anos, mas é passageiro.
Os dinossauros predominaram durante 150 milhões de anos e humanidade está aqui há mais ou menos 300 mil anos, então, é muito interessante perceber a dimensão humana.
A narrativa e o assunto dizem respeito tanto à infância quanto aos adultos.
Todo mundo tem uma certa paixão pelos dinossauros, é um ser que nos instiga de alguma maneira, seja pelo seu tamanho, pelo seu mistério, pela sua periculosidade, é uma espécie que fascina a humanidade.
Desde as primeiras exposições de dinossauros na Inglaterra (1800 e pouco), ele (o assunto dinossauro) continua sendo sucesso popular de comunicação por si só.
Estamos fazendo o espetáculo de um jeito que elegemos alguns dos dinossauros brasileiros.
Pouca gente sabe que o Brasil é um grande celeiro, sendo que já foram encontrados aqui mais de 80/90 tipos diferentes de dinossauros e que o Brasil tem o dinossauro mais antigo descoberto em todo o mundo até hoje.
A América do Norte tem predomínio da narrativa dos dinossauros porque tinha muito lá e porque eles produzem muita cultura e entretenimento acerca dos dinossauros.
Quando pensamos em dinossauros, pensamos nos americanos, com o tiranossauro rex e o Jurassic Park, mas o Brasil tem muitos e tem alguns muito simpáticos, tem um que se chama Sacissauro!
Imagine que engraçado.
Tem o Amazonssauro, entre outros, em várias regiões do Brasil.
O espetáculo tem 12 cenas em que cada uma conta uma pequena história e são nove dinossauros que a gente descreve onde moravam, o que faziam, etc.
Victor Hugo Cavalcante: Pode nos contar um pouco sobre o processo de pesquisa e desenvolvimento do espetáculo, especialmente em relação à integração da cultura popular brasileira com a temática dos dinossauros?
A grande pesquisa do espetáculo foi o livro do Luiz Eduardo Anelli.
Lendo o livro percebi que os dinossauros estão espalhados.
Tem no Rio Grande do Sul, o Paraná, em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, bastante no Nordeste, também no Norte.
Então, ao perceber que os dinossauros estão espalhados pelo Brasil e sendo a música uma grande questão cultural do Brasil, em que cada região tem sua música, fizemos uma conexão musical com ritmos e danças específicos de cada região do Brasil e fazemos uma cena em cima da música/dança de determinada região com o dinossauro daquela região.
Victor Hugo Cavalcante: O espetáculo Dinossauros do Brasil destaca a diversidade geográfica do país, retratando os dinossauros que habitaram diferentes regiões brasileiras. Como essa variedade foi incorporada na narrativa e na apresentação visual da peça?
A narrativa visual se dá pelos bonecos, entre o cenário que é todo inflável, fazendo alusão a uma planta muito interessante, então, o cenário dialoga com essa planta, com as rochas onde estão os dinossauros e os próprios bonecos são muito alegóricos, não querendo ser realistas.
O trabalho feito pelo Luiz Eduardo Anelli no livro dele busca um desenho realista de cada personagem, no nosso, é uma alegoria, uma leitura alegórica de cada personagem que o autor fez.
Então, nos permitimos uma alegoria quase carnavalesca, chegando perto de uma estética do Carnaval.
É tudo muito colorido, com uma intenção, uma proposta mesmo de carnavalizar os nossos dinossauros, para criar interesse e magia, a qual é a nossa linha de trabalho, não realista, e sim, alegórica.