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Entrevista: Adriana Sussekind desvenda Copacabana em livro

Escritora mergulha nas memórias de Copacabana, revelando sua energia vital e diversidade cultural em seu livro Aconteceu em Copacabana.

Foto da entrevistada e escritora Adriana Sussekind

Em 2023, a escritora carioca Adriana Sussekind lançou seu livro Aconteceu em Copacabana, inspirado no icônico bairro carioca, com muitas histórias, personagens e as maiores manifestações culturais, como a bossa nova, o Réveillon e os anônimos que criam personagens marcantes.

No mesmo dia do lançamento, a autora também foi curadora da exposição Acontece em Copacabana: Marta Bonimond, Meiga Rodrigues, Melinda Garcia, Edith Rocha, Wladimir Machado e João Poppe, na Galeria Gotlib, com artistas de estilos e técnicas diversas.

Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Folk, a autora compartilha insights sobre seu processo criativo, a interseção entre literatura e arte visual, e o papel da literatura na preservação da identidade de um lugar em constante transformação.

Victor Hugo Cavalcante: Primeiro, é um prazer poder recebê-la no Folk, e gostaria de começar perguntando: Qual foi a principal inspiração por trás do seu livro Aconteceu em Copacabana e como você descreveria a relação entre os contos e o bairro de Copacabana?

Adriana Sussekind: O prazer é todo meu e parabéns pela missão cultural que vocês têm aqui no Jornal Folk.

A energia vital do bairro de Copacabana é única.

A pulsão de vida que corre pelas ruas, pela praia, pelos comércios e escolas do bairro é algo muito especial.

Essas histórias que escrevi dificilmente poderiam ser ambientadas na Escandinávia, por exemplo (risos).

O carioca de Copacabana é muito comunicativo e expansivo.

Nasci e moro nesse bairro, então me senti confortável para relatar as histórias do cotidiano dessas famílias anônimas e singulares.

Escrever esse livro me desencadeou uma série de lembranças da minha adolescência, histórias que escutei na praia e em outros espaços públicos do bairro.

É quase uma antropologia do cotidiano desses copacabanenses.

O filme Edifício Master, do cineasta Eduardo Coutinho, também me inspirou muito, apesar de que meus contos são uma mistura de ficção com realidade.

Victor Hugo Cavalcante: Pode nos contar um pouco sobre o processo de criação dos contos e crônicas que compõem o livro? Houve alguma história ou personagem em particular que teve um significado especial para você ao escrever?

O processo de criação foi longo, uma verdadeira reconstrução da memória.

Escrevi mais de cem histórias, mas selecionei apenas quarenta e uma.

A partir daí, comecei a imaginar e construir o lado psicológico dos personagens, seus desejos, suas dores, e escolhi quais seriam os narradores de cada conto.

Depois, reescrevi várias vezes o final das histórias, que considero a parte mais difícil do processo da escrita.

A história que teve um significado muito especial foi o primeiro conto que escrevi, chamado Prova de amor.

O conto reflete as dificuldades da relação pai e filha no período da adolescência, e demonstra o amor incondicional de um pai que enfrentou as chamas do incêndio na esperança de salvar sua filha, colocando em risco sua própria vida.

Esse episódio é real.

Meu edifício pegou fogo e realmente meu pai subiu para me salvar, mesmo estando em um momento péssimo da nossa relação. Inclusive, foi a primeira vez na minha vida que ele me disse “eu te amo muito” e isso foi fundamental para mim, um divisor de águas.

Essa é a primeira história do livro, no capítulo A adolescência no meio do caos.

Meu pai foi o escritor Carlos Sussekind, falecido em 2021, e dediquei esse livro para ele.

Victor Hugo Cavalcante: A exposição Acontece em Copacabana que você realizou no dia 12 de dezembro na Galeria Gotlib no Rio de Janeiro apresentou uma variedade de estilos artísticos. Como você acha que as obras dos artistas expostos contribuíram para enriquecer a narrativa sobre o bairro de Copacabana apresentada no livro?

Artes plásticas e literatura são linguagens que expressam conceitos, imagens e sentimentos.

As narrativas dos meus contos e crônicas se entrelaçam com as propostas visuais dos artistas, como as formas sensuais e curvilíneas de certas obras, a figura do peixe simbolizando a espiritualidade de Copacabana, a diversidade religiosa desse bairro plural com a força do mar que nos cerca, as paisagens plasmadas nas telas que nos remetem ao cotidiano iluminado do bairro.

Copacabana é solar.

O quadro da surfista simboliza bem meus contos sobre a sensualidade que vibra no bairro e que se projeta para todo o Brasil.

Os surfistas e a natureza do bairro estão presentes nas histórias de Aconteceu em Copacabana.

Victor Hugo Cavalcante: Qual é o papel da literatura na preservação da identidade cultural de um lugar como Copacabana? Como você vê seu livro contribuindo para essa preservação?

O artista, seja ele um escritor ou pintor, reflete o seu tempo, sua época, em suas obras.

Sendo assim, quando não estivermos mais por aqui, as gerações futuras poderão observar através das páginas dos livros como era a realidade, ou o processo de construção da ficção, do cotidiano desse período da história de Copacabana retratado nos livros.

A Copacabana, retratada pelos escritores mineiros (Fernando Sabino, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade e outros), já é diferente da Copacabana de hoje.

Se pensarmos no momento atual, vemos que, por enquanto, ainda podemos desfrutar de nossas praias, ainda há muitos moradores de rua no bairro, há muita interação social entre os diferentes grupos que habitam o local, há profissões como psicanalistas, vendedores de lojas físicas, ascensoristas, porteiros e depiladoras, por exemplo.

No futuro, não sabemos se esse modelo de vida continuará existindo.

Em Buenos Aires, por exemplo, já há porteiros virtuais em centenas de portarias dos edifícios que aparecem em um telão na entrada do prédio.

A cidade do Rio, e mais especificamente Copacabana, está em permanente transformação.

Atualmente, temos essa identidade cultural que aparece exposta nas páginas do meu livro e de tantos outros que circulam por aí, cada um com o olhar de seu autor.

Minha contribuição é poder mostrar a realidade que conheço e que faz parte de minha vida.

Tentei retratar a diversidade do bairro e o jeito de ser de seus moradores com histórias leves e personagens como tradutores, atores, empregadas domésticas, professoras e outros.

Um livro de papel dura mais de quinhentos anos e, nesse formato, temos certeza de que as obras alcançarão os homens do futuro que vão nos estudar (risos).

Victor Hugo Cavalcante: Como foi a experiência de lançar seu livro com a exposição na Galeria Gotlib? Você acredita que a interação entre literatura e arte visual pode oferecer novas perspectivas sobre o mesmo tema?

Vivenciar essa experiência foi muito abrangente, eram diferentes linguagens na forma de esculturas, quadros, literatura e música.

O público que compareceu, se envolveu rapidamente com a proposta que apresentamos: unir as histórias relatadas nos contos; a performance de uma musa/surfista que emergia de um quadro; a música executada por um saxofonista e um violonista que são músicos populares que tocam pelas ruas de Copacabana, especialmente contratados para o evento, e o entrelaçamento de cores, formas e sentimentos projetadas nas obras desses artistas plásticos, sensíveis e talentosos, que me acompanharam nesse projeto.

Eventos desse tipo podem trazer muitos desdobramentos e, sem dúvida, estimulam a criatividade e o interesse do público, tirando as pessoas de suas rotinas e levando-as para novas e agradáveis experiências culturais.

Temos muitos espaços culturais em Copacabana e, com boas ideias para ocupá-los, todos se beneficiam.

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