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Lucky Day: O monstro real de Doctor Who

Em artigo, Victor Hugo Cavalcante analisa como Doctor Who expõe os riscos da desinformação e do ódio viralizado nas redes como espetáculo contemporâneo.

Foto do autor do artigo.

Em um mundo onde o real compete com o fabricado e a mentira é impulsionada por algoritmos, o episódio Lucky Day, da nova temporada de Doctor Who (Disney+), emerge como um alerta urgente.

Mais do que ficção científica, é uma crítica mordaz à cultura digital que transforma o ódio em espetáculo e a desinformação em moeda de influência.

O alienígena da vez não é a maior ameaça. É o ser humano — mais precisamente, o influenciador.

No episódio, acompanhamos Conrad Clark, um podcaster que nega a existência de alienígenas e acusa a UNIT, organização mundial de defesa, de ser uma farsa.

Não há ingenuidade em sua narrativa.

Seu negacionismo é uma estratégia: ao desacreditar instituições e alimentar a raiva coletiva, ele conquista cliques, seguidores e poder.

Trata-se do perfil típico de figuras contemporâneas que exploram a indignação como produto e a mentira como método.

O que Doctor Who acerta com precisão é a transição do negacionismo como crença para o negacionismo como performance.

Clark não está tentando entender o mundo — está tentando dominá-lo através da manipulação emocional.

Seu podcast não é jornalismo investigativo; é um show de horrores disfarçado de liberdade de expressão.

Ele não busca a verdade, mas o engajamento.

Nesse sentido, o episódio reflete a realidade: algoritmos de redes sociais favorecem conteúdos polarizadores, radicais e sensacionalistas.

O discurso de ódio é não somente tolerado, mas muitas vezes recompensado.

Quanto mais raiva, mais visibilidade e quanto mais caos, mais audiência.

Conrad encarna a lógica do influenciador contemporâneo que transforma o colapso institucional em conteúdo viral.

O ponto de virada do episódio — a invasão da UNIT transmitida ao vivo — é uma metáfora direta da espetacularização do ódio.

Não importa a gravidade do ato, mas o seu alcance.

O ato violento se torna entretenimento, e a audiência compactua, assiste, compartilha.

A crítica da série não é somente ao indivíduo que desinforma, mas à estrutura inteira que sustenta e distribui esse conteúdo.

A tragédia final de Conrad é simbólica: ele é devorado pela própria mentira, mas só após semear o pânico, desacreditar instituições e desestabilizar o tecido social.

Uma morte catártica? Talvez.

Mas, na realidade, a mentira raramente implode sozinha.

Ela persiste, se multiplica, é reciclada por outros influenciadores — como um vírus que se adapta ao próximo hospedeiro.

Doctor Who, sempre político e provocativo, nos relembra que a ameaça não está nos céus, mas nas telas.

Na forma como escolhemos consumir, compartilhar e acreditar e no fim, Lucky Day nos desafia a uma pergunta desconfortável: quem estamos ouvindo e por quê?

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