O catador de histórias (64 págs.), escrito pelo pesquisador, professor e escritor Edmar Neves reúne três importantes Itans, que são narrativas associadas aos Orixás, e, a partir deles, apresenta para crianças um pouco da cultura afro-brasileira e também importantes ensinamentos sobre escuta, alteridade, respeito e confiança.
Publicada pela Editora Jandaíra, a obra conta com ilustrações do quadrinista Afa Vasquez e paratextos desenvolvidos para auxiliar diferentes tipos de leitores e mediadores de leitura, como glossário e referências bibliográficas.
O livro foi contemplado pelo edital ProAC/SP, para realização e publicação de obra literária infanto-juvenil inédita.
O autor destaca que quis acrescentar novas camadas de leitura ao livro após notar que a maioria dos títulos que adaptam e referenciam as narrativas dos Orixás não davam abertura para pensar nessas histórias além do viés religioso.
Segundo ele, as expressões religiosas também fazem parte da cultura e da história de um povo/comunidade, mas também podem trazer ensinamentos que conseguem abranger outras vivências, como a importância de saber ouvir e transmitir conhecimentos, de confiar na capacidade das pessoas e de não julgar ninguém pela aparência.
Além disso, ele considera interessante introduzir para o público infantil o entendimento de que para a cosmovisão africana, mais especificamente banto-iorubá, não há a distinção maniqueísta de bem e mal, sendo que os elementos de nossa existência possuem aspectos positivos e negativos dentro de si.
Dedicado ao Pedro, sobrinho de Edmar, o livro se inicia com uma demonstração do desejo do autor de que o garoto possa conhecer um pouquinho mais dos Orixás que o acompanham.
Essa vontade de compartilhar um pouco de uma importante parte de si com o menino foi o que motivou o início do processo criativo que culminou na escritura de O catador de histórias.
“Quando me iniciei no culto ao Orixá Oxóssi, no candomblé de nação Ketu, meu sobrinho estava com um ano e eu queria comprar livros para ele que apresentassem um pouco mais da minha fé, da cultura e de toda a história que eu estava descobrindo na época”, conta Edmar.
“Com alguns materiais em mãos, pensei ‘por que não escrever meu próprio livro infantil?’, e foi nesse raro momento de petulância artística que comecei a esboçar as primeiras linhas”.
O livro demandou muita pesquisa e representa para Edmar um momento de autoafirmação enquanto escritor.
Além disso, o processo de elaboração das ilustrações que acompanharam o texto na composição da narrativa merece ênfase:
“Eu e o Afa pensamos em vários detalhes que remetem não só a outros Itans, como também ao relacionamento entre os Orixás”.
A busca pela valorização da cultura afro-brasileira está no cerne de toda a obra, inclusive até mesmo na escolha da editora que tem em seu catálogo títulos que buscam apresentar e debater a cultura e a vivência da população negro-brasileira nos seus mais amplos aspectos.
Segundo o escritor, seu livro é um lembrete de que mesmo tendo que sobreviver em um ambiente extremamente hostil que ainda busca exterminar sua existência nos mais diversos âmbitos, a população negra do Brasil consegue manter suas tradições e seus traços culturais vindos de várias regiões do território africano vivos, através de sua religiosidade ou de outras práticas cotidianas.
A importância de catar e contar histórias para Edmar e os seus
Edmar Neves se define como filho de Oxóssi e nasceu em Mogi Mirim, mas passou grande parte de sua vida em Mogi Guaçu, também no estado de São Paulo.
É licenciado em Letras, pela UFSCar, mestre e doutorando em Teoria e História Literária, pela Unicamp.
Desenvolve pesquisas sobre literatura brasileira contemporânea, literatura e grupos marginalizados e pensamento literário e social.
Além disso, atua como professor de médio e técnico, pesquisador, redator e produtor cultural. O catador de histórias é sua estreia literária.
Seu grande mentor é o escritor santista Plínio Marcos.
“Tudo que eu escrevo e pesquiso hoje foi graças às leituras que fiz dos roteiros de suas peças teatrais e de seus contos, quando estava no final da adolescência”, destaca Edmar.
Já em relação aos autores que inspiraram diretamente a escritura do livro O catador de histórias, ele destaca nomes como o de Reginaldo Prandi, José Beniste e Mãe Beata de Yemonjá, mas reflete:
“Este livro tem como principal influência a transmissão de conhecimentos através dos relatos dos meus mais velhos dentro do meu ilê, como meu babalorixá Junior de Odé, a minha ialorixá Luciana de Oxalá, meus irmãos Felipe de Lufan, Kauã de Iansã, Janaica de Oxum, entre outros, que entre uma tarefa e outra do terreiro me explicavam os porquês das coisas através dos ensinamentos do Itans”.